Parabéns pra Você, um dos bons espetáculos infantis, em cartaz no Teatro Cândido Mendes

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 06.11.1981

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Adaptações e Viagens pela Memória

Ao contrário do que declarou Beatriz Bedran, integrante do Bloco da Palhoça, no programa ETC dessa última segunda feira, não são 200 e nem tão ruins as peças infantis atualmente em cartaz. Volta e meia abre-se o jornal e lá estão cerca de 50 espetáculos. Boa parte deles de indiscutível mau gosto como Joãozinho e Maria a Caminho da Lua, Tom e Jerry em Busca de um Casamento ou Dom Quixote Contra a Bruxinha Dondoca. A simples leitura de tais títulos ou uma leve menção aos espetáculos de Jair Pinheiro, Washington Guilherme, William Guimarães ou Roberto de Castro podem causar arrepios em pais desavisados que já tenham levado seus filhos a algum. Repetir experiência tão dolorosa beira até o suicídio.

Nem só de má qualidade vive, felizmente, o teatro infantil carioca. Conta-se, nos últimos tempos, com um número bastante razoável de bons espetáculos. A começar pelo do próprio Bloco da Palhoça, o show Canto de Trabalho, em temporada no Teatro Villa-Lobos. É interessante sobretudo por trazer a um espectador eminentemente urbano um outro universo: o das tradições populares rurais brasileiras; e um personagem que se habituou a ver em ação, mas mudo: o trabalhador. Assistindo ao show do Bloco da Palhoça, a criança é, de certa forma, levada a perceber as divisões sociais e culturais que a cercam. E a perceber como cultura manifestações bem diferentes daquelas que aprende a considerar como tal na escola e na família. Nesse sentido, talvez valha a pena também uma ida ao Parque Lage para ver o espetáculo Te Amo Amazônia apenas sábado às 15h30m numa promoção da Associação de Moradores do Jardim Botânico. A apresentação será gratuita e haverá Palestras de Edilson Martins sobre as formas de transmissão de cultura nas sociedades indígenas, traçando um paralelo com o modo escolar de aprendizado pelo qual são aculturadas as crianças urbanas.

Se Canto de Trabalho e Te Amo Amazônia chamam a atenção do espectador infantil para um universo cultural que não é o seu, a marca registrada da atual temporada de espetáculos infantis tem sido uma remexida crítica na família classe média e seus valores. O eixo dos melhores espetáculos em cartaz parece ser a memória. Mas não uma memória complacente e nostálgica. O teatro infantil, nesse sopro de memorialismo, tem passado em revista desde as tradicionais festas de aniversário, como em Parabéns pra Você no Teatro Cândido Mendes; ao cotidiano infantil em geral, como em Brincando com Fogo, espetáculo que recebeu 7 indicações para o Prêmio Mambembe, no Teatro Ipanema, ou em Vira Avesso, que comemora suas 50 apresentações domingo no Teatro do Planetário da Gávea. E, matriz dessas viagens críticas pelas memórias de infância, está em temporada no Tablado Os Cigarras e Os Formigas, o excelente espetáculo comemorativo dos 30 anos do Teatro do Patronato da Gávea.

Duas estreias este sábado fortalecem outra das fortes tendências do teatro infantil este ano: as adaptações. São duas as estreias e ambas adaptações teatrais de textos literários. Na Aliança da Tijuca começa a temporada de O Planeta Lilás com direção de Luiz Sorel. Ziraldo que, ano passado, teve uma bela adaptação para o seu Flicts, esse ano teve uma fraquíssima versão para O Menino Maluquinho. Fraquíssima, porém, com grande sucesso de público. E, se os seus textos atraem público, nem sempre a sua qualidade literária tem correspondido idêntico interesse nas montagens teatrais. Tomara que a nova adaptação enverede pelos caminhos de Flicts e não pela busca de sucesso fácil como é o caso de O Menino Maluquinho, em cartaz ainda no T. Vanucci.

A outra estreia é de O Gato Malhado e A Andorinha Sinhá, adaptação do livro infantil de Jorge Amado escrito em 1948 e reeditado em 1976. O texto foi adaptado por Luiza Lagoas e estreia sábado no Teatro Alaska sob a direção de Marco Antônio Palmeiras. E, mesmo sem saber a qualidade da adaptação, talvez valha a pena assistir à versão teatral de um texto que, dentre outras coisas, defende o direito à diferença e à transformação. E diz” “Desde que o mundo é mundo, às andorinhas é proibido casar com gatos. Essa proibição é mais do que uma lei e está plantada com fundas raízes no coração das andorinhas…  E para romper uma lei é preciso uma revolução…”. Assim como é preciso que a criança perceba a quantidade de “leis” e “ideias fixas” que lhes são inculcadas. E porque foram plantadas, porque não são suas, mas da sociedade em que vive, podem ser transformadas, rompidas.