Crítica publicada no Jornal do Brasil, Caderno B
Por Eliana Yunes – Rio de Janeiro – 29.08.1987
O Riso Inteligente
Duas programações envolvendo mágicas e palhaçadas, associadas a uma sensibilidade poética rara neste tipo de montagem, estão em cartaz no Rio: Palhaçadas, de João Siqueira, com direção do laureado Tônio Carvalho, e O Mágico Trapalhão, com o mímico Alberto Gaus.
O primeiro, em cartaz no Teatro de Bolso, reúne dois atores experientes – Gilberto Gawronski e Marcus Alvaloni – a bonita música de Egberto, uma iluminação esperta de Paulinho Medeiros, e tira partido de um singelo roteiro
que já mereceu o prêmio SNT de texto infanto-juvenil, para criar cenas extremamente lúdicas, que literalmente prendem a atenção das crianças durante o espetáculo, enxuto e exato. Não há do que se queixar: a boa presença dos
cenários e figurinos de Jeni Kopelmann explora o imaginário com humor ágil e lirismo, fazendo o palco ganhar a extensão do mundo.
O clima circense é valorizado pelo diálogo inteligente, onde uma ironia suave e poética nasce de situações cotidianas. O riso, o ar de fantasia vão sendo costurados pouco a pouco, pela própria discussão da figura do palhaço, cujas mágicas reatam o fio com a própria vida, dentro e fora do palco.
Essa linha tênue que liga a verdade e a fantasia, o real e o mágico, é o tema explorado no segundo espetáculo, todo em mímica e pantomimas, de Alberto Gaus, no Teatro da Cidade. Recriando há seis anos esse trabalho que evolui pela
interferência do público, o ator/autor já fez 2 mil apresentações e uma pesquisa na Europa sobre seu efeito, para crianças com deficiências auditivas.
A cena muda – coadjuvada apenas por uma trilha sonora nem sempre bem selecionada – vai crescendo com a própria transformação do mímico em mágico, tanto pelo figurino quanto pelas ações: as palhaçadas ficam por conta do
inusitado das situações em que ele se envolve o público.
Lentamente, o roteiro evolui do riso e da graça para a emoção: o brinquedo se transforma em coisa viva e palco e plateia então se fundem num toque de encantamento. Despretensioso, o roteiro constrói um enredo de fácil acompanhamento e “fala” à criançada.
A comunicação gestual mobiliza a turma para uma brincadeira que culmina com a expressão de vida/liberdade na mágica transformação de um pássaro. Se não há sofisticação, compensa a opção mais singela de trabalho, a participação efetiva da plateia, já que este é um espetáculo feito com e não apenas para ela.