Cena do espetáculo Até as Princesas Soltam Pum

Matéria publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 06.11.2013

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Palcos abrigam mais qualidade e diversidade

No teatro feito para crianças, as últimas duas décadas foram decisivas para se parar de usar diminutivos como ‘pecinha’ e ‘teatrinho’

A partir de minha experiência acumulada como crítico de jornais, revistas e sites, acompanhando os espetáculos infantis montados na cidade de São Paulo, o que posso escrever hoje, 20 anos depois do surgimento da revista Crescer, é que o quadro do setor melhorou. Mas o que melhorou nessas duas décadas?

Melhorou, por exemplo, a visão do próprio artista com relação à criança. Mudou a forma de abordagem: o que é dito à criança hoje é dito com mais respeito, maior cuidado, maior responsabilidade. As crianças de cada geração cada vez conseguem mais e mais parâmetros de comparação, vão sendo cada vez mais expostas a outros níveis de informação, de arte, de tecnologia – e o teatro infantil não podia ficar parado no tempo.

O teatro para crianças no Brasil sobrevivia muito atrelado à sua função educativa e isso acabava por limitar seus voos de liberdade no rumo da arte pura e simples. Antes, se fazia teatrinho e pecinha bonitinha para agradar e ensinar a criancinha. Hoje, são feitas bem menos peças para martelar na cabeça da plateia que se deve escovar os dentes três vezes ao dia. Bem menos peças para complementar as comemorações do dia do índio, do dia do soldado, do mês do folclore.

Hoje, finalmente, se compreendeu que se faz teatro infantil como arte (e não como aula) para a criança se conhecer, se perceber, perceber o outro e perceber o mundo, a diversidade do mundo. Hoje, quem persiste na arte de fazer teatro para crianças deseja bem mais, por exemplo, do que só repetir lições e copiar os clássicos de forma preguiçosa e fácil. Existe mais pesquisa, mais interesse na linguagem, mais apuro da direção, mais necessidade de deixar uma marca nova na interpretação, mais rigor estético. Hoje, há mais trilhas sonoras originais no teatro infantil, compostas especialmente para os espetáculos. Hoje, há menos casos em que a cenografia de teatro infantil tenha de ficar espremida na boca de cena, porque a peça adulta, do horário noturno, não permite que ela se expanda no palco. Hoje, acompanhando a tendência do teatro para adultos, a iluminação de teatro infantil virou ‘desenho de luz’, e essa mudança de nomenclatura já demonstra o quanto se mudou também de mentalidade artística. Hoje, o maquiador virou visagista.

Com o passar do tempo, as produções foram entendendo que melhorar o teatro infantil significava parar de vomitar historinhas de princesas para a plateia da forma mais despreparada e tatibitate possível. Felizmente, diminuíram muito em São Paulo aquelas montagens amadoras oportunistas que cobravam ingresso como se fossem profissionais, repetindo a estética massificada de filmes da Disney, obviamente sem a grandiosidade de produção dos filmes da Disney, muito ao contrário: com cenários de isopor e papelão e figurinos de fantasia de bufê infantil – e copiando até diálogos e músicas em playback dos filmes, sem o mínimo cuidado de adaptação para uma dramaturgia legítima.

Aumentaram os redutos de bom teatro infantil em São Paulo, lugares em que você sempre pode ir, pois sempre haverá boas peças na programação. Ou seja, há hoje em São Paulo, mais do que há 20 anos, bons programadores de teatro infantil, atentos tanto a grupos que precisam de continuidade para crescer no seu trabalho quanto a grupos novos que precisam ser vistos, precisam da vitrine desses teatros formadores de público.

Hoje, quem continua fazendo isso, quem ainda não respeita criança no teatro, na minha opinião, é quem não está querendo enxergar que isso mudou, porque não está indo ver o trabalho dos colegas em cartaz. É fundamental que a classe teatral desse setor veja teatro infantil, porque fazer teatro compreende, a meu ver, a tarefa obrigatória de ver ‘o que’ e ‘como’ os outros estão fazendo, para estabelecer parâmetros, para querer crescer e vencer limites.