Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 04.11.1978
O lobo e os porquinhos: o mau tempo resiste
“A mensagem final” de Os Três Porquinhos e o Lobo Mau, de Jair Pinheiro, em cartaz no Tereza Rachel, é a seguinte; só na casa de papai você vai encontrar a verdadeira felicidade. Essa posição fecha, para as crianças, o valor de qualquer atitude de busca de autonomia e caracteriza, de modo marcante, a necessidade doentia da dependência. O que Jair Pinheiro propõe é que as crianças não andem nunca com seus próprios pés, que estejam sempre guiados pela mão de papai; e afirma que não haverá nunca felicidade interior se você fizer aquilo que a vida exige e que o próprio Jair Pinheiro deve ter feito: sair de casa e viver sua própria vida, como um indivíduo e não apenas como filho.
No nível das ideias, a peça se perde a cada passo. O irmão mais velho só se arrepende para não ser castigado, quando o verdadeiro arrependimento é consequência de uma conscientização que o personagem passa a ter de seus próprios erros. E, mesmo quando um personagem se arrepende por tomar consciência (Lobo), essa conversão é tão arbitrária, tão brusca e mal preparada, que acaba não convencendo.
Não se pode afirmar, entretanto, que o texto seja o elemento mais equivocado. A montagem (como o texto) repete as mesmas deficiências de todas as demais montagens de Jair Pinheiro; é tudo muito primário em termos teatrais, com ações tolas e inverossímeis. Por exemplo: o lobo dorme ao lado do porquinho e, mesmo estando morrendo de fome, e mesmo tendo faro, ele não repara nada; ver, também, como exemplo de ação primária e inverossímil, a sequência do lobo tentando apegar o porco dentro de casa. Jair Pinheiro continua confundindo falta de dinheiro com falta de imaginação: a casa dos dois porcos é a mesma; para que as janelas fechem os atores têm que ficar segurando. (!). E por aí vai…
Talvez o melhor exemplo para o público leitor sobre a maneira como Jair Pinheiro faz teatro para crianças esteja aqui: o diretor precisa mudar o cenário, tirando três árvores de cena. Essas três árvores estão sugerindo uma floresta, ou seja; representam centenas de árvores. Um personagem diz para o outro: – Vamos levar as árvores para não deixar pistas. Ora, inicialmente, nada indicava nem no texto e nem na encenação que as árvores pudessem incriminá-los de alguma forma; além do mais, os personagens ao retirar as árvores, partindo-se da premissa da cenografia de que elas simbolizam toda uma floresta, estriam, na realidade, dizimando esta floresta. E a linha de raciocínio prossegue: eles não aguentariam com a floresta inteira; não é possível que todas as árvores fossem pistas; onde colocariam tantas árvores; etc…
A fixação neste exemplo tem o objetivo de mostrar que se torna visível que tudo é feito às pressas, sem o menor cuidado, sem o menor respeito pelas pessoas que pagam um ingresso e querem ver um espetáculo que, pelo menos, tenha um nível profissional. O diretor (o próprio autor) não se preocupou em pensar um pouco para criar uma solução melhor para a retirada das árvores de cena. Parece que a primeira ideia que surge – boa ou má coerente ou absurda – é imediatamente aceita.
Os Três porquinhos e o Lobo Mau, de Jair Pinheiro, nada acrescenta ao panorama do teatro infantil carioca. Apenas mostra a força que tais montagens anacrônicas ainda têm para resistir e sobreviver num mercado que, a cada dia, mostra-se mais criativo, mais atualizado, mais pesquisador.