Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Ricardo Schöpke – Rio de Janeiro – 16.01.2010
Fábula difusa em versão grandiosa
Superficial e confuso, espetáculo é salvo pela atuação do competente elenco principal
Os músicos de Bremem dos irmãos Grimm são a fonte de inspiração para a transposição da fábula de Os Saltimbancos para o teatro, por Luiz Enríquez Bacalov e Sergio Bardotti, sendo traduzido e adaptado no Brasil por Chico Buarque. A versão original do conto alemão é de extrema conotação política e social e, pela força de sua lenda, há na cidade de Bremem uma estátua de ferro em homenagem aos seus principais personagens. Quatro animais – um burro, um cachorro, um gato e um galo – cansados de serem maltratados por seus donos, senhores feudais na época, resolvem fugir de suas casas e encontrar a libertação num novo e desconhecido mundo de aventuras mambembes. Sem saberem o que fazer para sobreviver, resolvem montar uma banda após encontrarem uma casa habitada por ladrões, no meio do caminho de suas andanças. A partir desta premissa, fica bastante claro o momento em que o espetáculo foi lançado no Brasil e o sucesso que alcançou por aqui. Era o ano de 1977, os fantasmas opressores da ditadura militar ainda faziam-se presentes, e através da metáfora de quatro animais oprimidos pelos seus donos, era possível extravasar através da arte todos os nossos sofrimentos e indignações. Contando na época com uma equipe engajada e de peso artístico, tínhamos no elenco Marieta Severo (que na adaptação transformou-se em gata), Miúcha (a galinha), Grande Otelo (o burro) e Pedro Paulo Rangel (o cachorro).
Montagem ignora a essência libertária do texto original, adaptado por Chico Buarque nos anos 70
Passados 33 anos desta histórica encenação no palco do Canecão, foi alardeada uma nova montagem de Os Saltimbancos, prometendo novidades e gerando assim uma grande expectativa. Que grandes inovações poderiam ser feitas? Seria uma leitura mais contemporânea da encenação? Contaria a peça com apresentação de um coro infantil? Ou o uso de alguns tímidos efeitos de projeção?
De tudo o que foi prometido, pouco foi visto. A direção, assinada pela premiada Cacá Mourthé (reconhecida merecidamente pela realização de ótimos espetáculos, realizados principalmente no Tablado). Para a criação deste novo projeto, contudo, não é possível entender seus propósitos artísticos. Não fica claro se é um espetáculo clássico ou contemporâneo. A dramaturgia se perde diante do caráter espetacular da montagem. Apreende-se muito pouco do contexto onde se passa a encenação e dos principais momentos de transição da história. Não é possível ver em cena claramente as causas e os efeitos que levam os quatro animais a buscarem a sua liberdade, tudo é tratado de uma forma superficial e leve. Não que fosse preciso para isso ser planfetário, porém, a essência da liberdade e da própria analogia com a palavra-título “saltimbancos” – artistas que itineram por praças, ruas e por cidades do interior – merecia uma atenção maior da direção na dramaturgia. A concepção do espetáculo também subaproveita o coro infantil, uma vez que suas aparições são muito esquemáticas e óbvias, e suas funções quase nulas. Uma coisa que realmente não se consegue entender é a opção em modernizar o figurino dos animais – assinado por Kika Lopes – ao mesmo tempo em que a direção se faz valer de códigos mais antigos de caracterização de animais no teatro infantil. A direção é extremamente clássica, com marcações simples e antiquadas – um animal aparece, canta; o coro entra, canta junto; o coro sai, e por aí vai). Outra coisa que intriga é o uso de andaimes, igualmente subaproveitados. O que eles significam? Urbanismo? Construção? Abandono? Ou um artifício para preencher o enorme palco do teatro? E onde entra o trapézio – de pouco efeito – da galinha? De um poleiro? De um circo? Tudo parece ser colocado apenas para ampliar o efeito grandioso de uma superprodução musical, e assim criar uma empatia e encantamento ao público.
A cenografia bem executada é assinada pelo competente Sérgio Marimba. A direção musical de Alexandre Elias não apresenta arranjos sofisticados e a iluminação assinada por Paulo César Medeiros é correta. As coreografias de Sueli Guerra são bastante singelas, mas pouco criativas. A única base de sustentação de todo o espetáculo musical está na qualidade de intérpretes do quarteto protagonista, que se sobressaem principalmente pelos seus talentos musicais e vocais. Alessandra Verney no papel da gata, além de cantar muito bem, imprime mistério e sensualidade a sua atuação. Bianca Byington está excelente como a galinha. No papel do cachorro, José Mauro Brant é um dos que mais investe na ótima composição total do seu personagem. Maurício Tizumba, o jumento, também canta bem, entretanto a sua composição animal não é tão bem resolvida. Ele usa um grande excesso deslocado de interjeição sonoras, sem que haja nenhuma necessidade para isso.