Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 13.08.1977

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Os Saltimbancos e o Canecão

O que o texto de Sérgio Bardotti apresenta de mais marcante é o estímulo a uma atitude viva e dinâmica dos rejeitados perante os elementos repressores, contrariando assim os comportamentos conformistas, passivos. Baseados em Os Músicos de Bremen, dos Irmãos Grimm, traduzido e adaptado por Chico Buarque de Holanda, Os Saltimbancos trata da insatisfação e da necessária organização para a transformação de uma realidade adversa; leva a percepção de que, sozinho, é muito difícil lutar; e essa conclusão é complementada por outra ideia: a consciência de que a união é a chave para qualquer iniciativa mais ampla.

– “O melhor amigo do bicho é o bicho.”
– “Um bicho só, é só um bicho; mas. Todos juntos, somos fortes.”

O texto toca ainda em outros aspectos importantes como a maior ênfase dada a segurança da criança que a sua liberdade (“Fique em casa, não tome vento”); fala da necessidade de se proteger os amigos; esclarece que se deve permanecer vigilante após cada vitória na nossa vida, pois os questionamentos e as avaliações irão impedir que se perca o já conquistado. É evidente que a plateia infantil não percebe, em nível consciente, toda essa amplitude. Mas a peça deixa claro, inclusive para os menores, aquilo que é o essencial: a necessidade de união entre aqueles que têm o mesmo objetivo; o valor da ação coletiva.

Por tudo o que foi colocado acima é importante levar seu filho ao Canecão. Entretanto, além das ideias do texto, há outros elementos que enriquecem à tarde infantil. Em primeiro lugar, a bela e comunicativa música de Luiz Enriquez, responsável direta pelos climas envolventes do espetáculo e pela imediata empatia do público (cuja maioria já conhece as músicas através do disco). Mas os aspectos positivos não param aí. Há, ainda, a expressiva carga visual da encenação, fruto do trabalho de Maurício Sette (cenários, figurinos, bonecos); e, também, a força de um elenco firme onde despontam os nomes de Grande Otelo (Jumento), Marieta Severo (Gata), Pedro Paulo Rangel (Cachorro), Miúcha (Galinha) e um coro de crianças e adultos infelizmente tão mal utilizado pela direção.

Leve seu filho para ver este espetáculo no Canecão. Apesar do Canecão; e apesar do espetáculo. Explico.

Inicialmente, fica cada vez mais patente a pouca viabilidade do Canecão para espetáculos teatrais. A visibilidade é muito deficiente (e, sendo um espetáculo para crianças, então essa restrição, se multiplica). Mas será a visibilidade mais deficiente que o tão deficiente som? Entretanto, os problemas do Canecão não param aí. Enquanto você estica o pescoço corpo para ver melhor; enquanto você ajeita seus filhos em cima da mesa para que possam enxergar; enquanto adultos e crianças fazem grande esforço para entender o que está sendo dito e cantado; enquanto tudo isso acontece e quando você, enfim, consegue manter uma relação maior com o que se passa no palco, à garçonete (obedecendo ordens) começa a cutucar seu ombro e, sem o menor respeito por quem pagou um ingresso (caro!) para ver um espetáculo, quebra sua concentração e pede que a conta seja paga.

A encenação dirigida por Antonio Pedro carece de imaginação (o coro tem uma ação meramente decorativa e o esquema de desenvolvimento do espetáculo é sempre o mesmo). Apesar de alguns bons momentos (“A Cidade ideal / todos juntos”) a montagem se caracteriza pela rotina e chega a utilizar recursos apelativos perfeitamente dispensáveis (“Sabem o que é jegue? / mais alto! / Vamos berrar para acordar eles”). Os Saltimbancos me leva a um paralelo com A Chave das Minas, em cartaz no Teatro Ipanema. Os dois são espetáculos grandiosos.

Em A Chave das Minas, porém de um texto superficial chegou-se a um espetáculo forte; em Os Saltimbancos, de um texto forte, chegou-se a um espetáculo superficial.

Leve seu filho ao Canecão, pois, apesar de todas as restrições, esse ainda é um dos melhores programas para a criançada. Levar os filhos ao Canecão é ótimo; mas, se houvesse respeito pelo público, menos grandiosidade e mais criatividade, como seria melhor.

Cotação: 4 estrelas.