Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 21.03.1992

Barra

Ciranda de Gangues de Budapeste

Ao contrário de obras como Dom Quixote, Robinson Crusoé e David Copperfield, que depois de adaptadas tornaram-se clássicos da literatura infanto-juvenil, Os Meninos da Rua Paulo, do escritor húngaro Ferene Molnar, percorreu um caminho totalmente inverso. Concebido em 1907, para os meninos de Budapeste, o texto saltou as fronteiras da cidade para se transformar em clássico mundial para jovens e adultos.

Os Meninos da Rua Paulo, em cena no teatro Ipanema, é uma transposição para o palco da tradução literária de Paulo Ronai, adaptada por Cláudio Botelho, que teve a rara sensibilidade de preservar as riquezas do texto original, sem se render aos apelos de uma suposta modernidade, buscando maior impacto junto ao público. Mesmo porque a história continua muito atual.

Nos arredores da Budapeste de 1889, um grupo de jovens se reúne depois das aulas em um terreno baldio, o grund, onde inventam um mundo próprio, jogam pelada, realizam eleições e fundam a Sociedade Secreta do Belume. Perto dali, outro grupo, os Camisas Vermelhas, também forma o seu exército, numa pequena ilha do Jardim Botânico da cidade, mas o espaço não é satisfatório. É preciso conquistar o grund. Está declarada a guerra.

Muito mais que um simples conflito de gangues, o espetáculo é pontuado por momentos de extremo lirismo, baseados na amizade e no companheirismo, ressaltado pela interpretação dos atores, talvez porque eles mesmos tiveram, a seu modo, de conquistar o seu grund para estar em cena.

Oberdam Junior constrói seu personagem, o errado Nemecsek, com toques de herói estabanado, como acontece com os pequeninos que precisam ser aceitos por um grupo.

Marcelo Serrado faz um Capitão João Boka dosando bem as nuances da autoridade do comando com a ternura que lhe escapa ao controle quando ampara um amigo. Selton Mello, como o Capitão dos Camisas Vermelhas, empresta ao temível Chico Ata dignidade e refinado humor, poucas vezes vistos na composição de vilões.

A direção de Ricardo Kosovski coloca 13 atores no palco, em cenas muito bem construídas, que, complementadas pela luz de Renato Machado e pelos cenários de Pedro Drummond, compõem um espetáculo plasticamente belíssimo.

Cotação: 3 estrelas ( Ótimo )