Crianças em cena em Os livros que mudaram minha vida

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 10.06.2016

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A ideia surgiu de um grupo de mães. Fotos: Priscila Ferreira

O texto passa longe do amadorismo

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Uma peça sobre livros interpretada só por crianças

Mães paulistanas unem-se e patrocinam espetáculo infantil protagonizado por seus 16 filhos entre 5 e 14 anos de idade

São nada menos do que 16 crianças em cena. Todas amadoras. Entre 5 e 14 anos de idade. Fazer teatro para crianças ‘com’ crianças é, por assim dizer, uma modalidade de teatro geralmente realizada no ambiente escolar, para um público formado pelas famílias dos envolvidos. Raramente, uma montagem assim vai parar no circuito comercial, em temporada, cobrando ingresso.

Mas eis que a dupla de veteranos profissionais do teatro infantil, Veridiana Toledo e Marcelo Galdino, foi convidada por um grupo de mães a escrever e dirigir um espetáculo para seus filhos. Veridiana assina a direção de produção. Galdino assumiu a direção artística e estreia na dramaturgia para crianças com um texto chamado Os livros que mudaram minha vida. A experiência é bem curiosa.

O grupo de mães até ganhou um nome, Mães na Massa. É formado por 11 mães, pais e responsáveis que se auto intitulam – e, de fato, são –  “pais-trocinadores”. (Para conhecer o grupo “Mães na Massa”, acesse: www.maesnamassa.com.br.) A ideia surgiu na sala de espera de uma escola de preparação de atores, no bate papo entre mães à espera de suas crianças na saída do curso. Por que não? O premiado diretor Silnei Siqueira, morto em 2013, aos 79 anos, dirigiu crianças por muitas vezes, inclusive na primeira montagem paulistana de Os Saltimbancos, em 1977, há quase 40 anos. A esse respeito, ele deixou registrado no livro sobre sua vida e carreira da extinta Coleção Aplauso, escrito por Ieda de Abreu: “Nesse tempo, a participação de atores infantis estava sendo bastante discutida entre pedagogos, psicólogos e especialistas em teatro-educação. Alguns países, como a Rússia e a França, chegaram a proibir legalmente a representação profissional com crianças em cena, já o Japão mantém elencos profissionais infantis. Com Os Saltimbancos não tive problemas, não houve exibicionismos, a participação das crianças foi simples e espontânea.”

Galdino e Veridiana também realizaram um excelente trabalho com as 16 crianças, proporcionando a elas uma montagem profissionalíssima, artisticamente madura, com cuidados preciosos na cenografia, figurinos, iluminação. O amadorismo, diga-se, está apenas na interpretação das crianças, em nada mais. Por exemplo: por ser uma peça que fala de livros, pode parecer óbvio usar o objeto livro como principal elemento cenográfico (são aproximadamente 2.300 livros no palco!), mas nesse espetáculo a cenografia passa longe das obviedades, principalmente quando explora o formato dos pop-ups, aqueles livros infantis ‘interativos’, em que as figuras se sobressaem, saltam das páginas, pulam em nossa direção ao virarmos cada página. O uso desse recurso (a cenografia é assinada por Antônio Saldanha e Marcelo Galdino) enriquece visualmente a narrativa. Fiquei muito bem impressionado.

O texto também passa longe do amadorismo. Marcelo Galdino estreou como autor da melhor forma possível: falando de uma de suas maiores paixões na vida, os livros. Seus diálogos são bem escritos, a ação segue com fluência e há pitadas agradáveis e bem construídas de emoção e de humor. Uma boa notícia é que a íntegra do texto já está à venda no saguão do teatro, em edição da Giostri, com boas ilustrações de Arthur Fernandes.

No final, talvez Galdino pudesse ter evitado algumas falas meio catequéticas, inspiradas nas ‘lições de moral’ de antigamente, mas não é nada que chegue a incomodar muito. Me refiro, por exemplo, a frases como: “O importante é viver o presente para compreender o futuro, respeitando sempre o passado.” Outra: “De agora em diante vou criar uma rotina: escola, amigos, família, minhas traquitanas tecnológicas e…um tempo para ler!” A peça já tem um enredo eficiente que nos escancara essas verdades importantes na forma de ação. Por isso, a meu ver, talvez elas não precisassem ser ditas e explicitadas dessa forma didática nas falas finais.

“Naveguei na tradição popular, deliciei-me em prosa folclórica e resolvi  resgatar mitos da nossa cultura deletados por imagens instantâneas e frases efêmeras”, explica o autor, no prefácio do livro da Editora Giostri. “Escrevi uma fábula, uma reflexão que une passado ao futuro e que nos convida à leitura, sem menosprezar o mundo virtual.” Negrinho do Pastoreio e Moura Torta são alguns dos personagens ditos ‘folclóricos’ que participam da peça.

Quanto às criança em cena… São elas: Guilherme Guerra, Fernanda Guerra, Mel Bayde, Duda Tessaro, Claudia Sangar, Guga Tessaro, Gabi Borer, Catherina Ferrari, Bruna Borer, Polyana Vaz, Gabriel Savoy, Rafaela Wenter, Anita Savoy, Nicolle Ditri, Beatriz Pardelli e Rafaela Pardelli. O coletivo resultou homogêneo. Todos se igualam na falta de experiência, na vontade de fazer bem, na falta de consciência corporal para seus personagens, nas falas ditas sem rigor e com péssima dicção, fazendo o público não entender parte do que é pronunciado no palco.

Decoraram todo o texto, com louvor, mas em alguns momentos despejam um chapado ‘decoreba’ na plateia, sem nuances de interpretação. Mas nada disso me causou surpresa nem espanto: são amadorismos previstos num grupo assim e muito difíceis de serem evitados. O principal é que são 16 crianças descobrindo o teatro na prática, conduzidas por dois talentos inegáveis: Marcelo Galdino e Veridiana Toledo.  Parabéns, Mães na Massa!

Serviço

Teatro Jaraguá
Novotel Jaraguá – Rua Martins Fontes, 71, Bela Vista, São Paulo,
Tel. (11) 3255-4380
Sábados e domingos, às 16h.
Ingressos: R$ 40 (inteira); R$ 20 (meia)
Até 10 de julho