Blat interpreta um anti-herói
dos quadrinhos

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 05.09.1992

 

Barra

Como um gostoso gibi

Se você classifica de despudorada a estonteante Barbarella, protagonizada no cinema por Jane Fonda, só porque a heroína fazia amor com um anjo cego, ou de excessivamente sensual a curvilínea Valentina, segure o queixo ao entrar no Teatro da Cidade. Lá, a peça Os Germens da Discórdia faz as moçoilas vindas de histórias em quadrinhos parecem verdadeiras Luluzinhas, em matéria de comportamento.

Montado a partir de uma HQ de Rogério Blat, o espetáculo traz a cena intrigantes personagens de hábitos não muito recomendáveis, que vivem suas aventuras na quase fictícia cidade de Janeura, metrópole que faz Gotham City parecer Conceição de Macabu. É em Janeura que o controvertido cientista Dr. Kaos e seu assistente e “amigo”, o chinês Chu-Ming, isolam em seu laboratório quarto e sala os famigerados germens da discórdia. A vizinhança, que já não é lá essas coisas, acaba contaminada pelos tais germens, desencadeando daí um rolar de barracos sem fim.

A direção de Gilberto Gawronski respeitou a estrutura gráfica do texto, deixando os personagens criarem vida num espaço bem delimitado. Ricardo Blat compõe o assistente com um trabalho delicado e vai ocupando cada cantinho do palco com seus gestos bem marcantes. Anselmo Vasconcelos faz o Dr. Boss com seu habitual humor, ficando ainda melhor após a transformação causada pelo antídoto, quando se transforma num pregador apocalíptico. Scarlet Moon, como a DJ Cidinha Hammer, a princípio desanimada, cria nova vida em contato com a discórdia, tornando seu personagem eletrizante. As melhores interpretações, no entanto, ficam com a repórter Getúlia Campbell de Cláudia Lira, um misto de desenho animado e loura estúpida de filme policial B, e com o cientista lúcido criado por Chico Tenreiro e sua engraçadíssima modulação vocal.

Com todos esses ingredientes, Os Germens da Discórdia deve ser visto como um gostoso gibi, que se lê escondido no sótão, se não morássemos todos em apartamentos. As crianças devem correr ao teatro antes que algum adulto mal-humorado denuncie: “Isto devia ser proibido!” Os adultos devem tentar chegar antes das crianças e curtir as delícias da montagem, antes que a peça se torne um cult dos jovens e qualquer um com mais de 15 se sinta um decrépito. É a discórdia em sua plenitude.

Cotação: 2 estrelas ( bom )