Os Diferentes: trabalho primoroso dirigido por Dudu Sandroni


Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 15.10.2006

 

 

 

 

 

Barra

Drummond imperdível

Obra do poeta chega à cena com brilhantismo pelas mãos do Grupo Hombu 

Novo espetáculo do Grupo Hombu, Os Diferentes é um trabalho primoroso que tem como diretor-convidado o criativo e seguro Dudu Sandroni. A trupe, que tem como um de seus sucessos a montagem Ou Isto ou Aquilo, baseada na obra de Cecília Meireles, agora faz uma brilhante incursão pela poesia de Carlos Drummond de Andrade, com roteiro de Ronaldo Mota. E com lirismo, leveza e humor, sem nenhum didatismo.

O espetáculo não pretende contar uma história, mas várias. Cada poesia tem seu universo e as palavras de Drummond são transformadas em poemas teatrais. Não há nenhuma preocupação de informar quem foi o poeta, embora haja sutis e criativas referências a sua biografia, como a Itabira, cidade natal do autor. Mas há, sim, a preocupação de se criar um clima poético através do jogo e da brincadeira. Assim, Drummond está em cena.

As músicas, de Ronaldo Mota, Beto Coimbra e Cristiano Mota, se tornam tão importantes quanto as poesias; David Tygel assina a direção musical e os arranjos. O vigor e o lirismo das composições interferem na cena, acrescentam significado, criam uma unidade estético-poética que envolve. A intervenção musical de Carlos Bernardo é rica e, quando em parceria com o violão de Ronaldo Mota, é suficiente para preencher o palco e encantar o público com belas melodias.

O cenário e os figurinos de Carlos Alberto Nunes trazem simplicidade e sofisticação ao palco, expressos pelos poemas de Drummond. Eles resumem a própria proposta do espetáculo: simplicidade na aparência mas, na verdade, minuciosa e artesanal. Brancos, os figurinos, trabalhados com recortes e texturas diversas, ali estão em harmonia com um cenário também simples e criativo, onde um pano branco sobre uma lona recebe elementos cênicos que se transformam como brinquedos de armar. Viram escritório, quarto, casa, trem, o que a imaginação permitir.

Há, em cena, um permanente criar e recriar. Essa é a transformação que a poesia de Drummond provoca e deixa como marca. A luz de Jorginho de Carvalho é precisa e delicada. Trabalhando quase todo o tempo com azul e âmbar, ele faz com que a cena ganhe cores diversas apenas no grande pano branco de fundo.

Os trabalhos do Grupo Hombu já têm assinaturas, tanto na música como nos textos, sempre de excepcional qualidade, escolhidos pelo grupo. A ausência de Silvia Aderne, que foi atuar no Teatro de Soleil, é sentida.

No elenco, além de Ronaldo Mota, com sua música e atuação, há o talento de Leninha Pires, que tem um humor autoral, na dose certa, e que encanta as crianças. Não menos talentosos e competentes, Pedro Rocha, com enorme vigor cênico, e Thais Tedesco, com presença forte e trabalhando com humor e doçura.

E arte assim é feita, com talento, competência, paixão e respeito ao teatro e ao público. Se um dia percebemos que o teatro infantil carioca passa por uma série crise de qualidade, no dia seguinte vemos que ainda há pessoas que fazem teatro de verdade. E que ainda seguram o leme para que o teatro para crianças não perca definitivamente o rumo. Imperdível.