Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 10.11.1981

Barra

Uma bela festa de aniversário 

Não é de graça que o Tablado tem o prestígio que tem. Vendo – como vejo – praticamente todas as peças infantis em cartaz no Rio de Janeiro e, muitas e muitas vezes, sofrendo bastante com o nível dos espetáculos, é extremamente agradável e prazeroso assistir as montagens realizadas no teatrinho do Jardim Botânico. Há até os que afirmam, pejorativamente que o teatro de Maria Clara Machado está para as crianças como o “teatrão” está para os adultos. Mas aí, seria a hora de discutir seriamente e num nível mais profundo o que, na realidade, significa essa palavra tão vaga: “teatrão”. E seria o caso de analisar, também, o que há de proveitoso e qualitativo neste tipo de teatro, o que há de erros e acertos; e ver o mesmo em relação ao teatro que não admite ser “teatrão”; há, eventualmente, prazeres e desprazeres para o espectador nos dois tipos de teatro.

Ao comemorar os trinta anos do Tablado, Maria Clara Machado resolveu montar Os Cigarras e Os Formigas, peça que, se não me falha a memória, foi a primeira que ela escreveu e deu para outra pessoas dirigir (no caso, Wolf Maya), anos atrás. Então, apesar de a peça estar sendo levada pela segunda vez no Rio de Janeiro, é a primeira vez que Os Cigarras e Os Formigas é dirigida pela própria autora. Continua achando que Os Cigarras e Os Formigas, é um dos melhores textos de Maria Clara, onde ela mistura La Fontaine e Shakespeare; a fábula da cigarra e da formiga com Romeu e Julieta. Tudo isso carregado de uma boa dose de brasilidade e a uma visão mais simpática da cigarra; não mais uma irresponsável, mas o símbolo de um tipo de pessoas que têm prazer em viver a vida plenamente, misturando prazer, dever e afeto numa fórmula saudável de busca da felicidade. Pelo contrário, a famosa formiga responsável vira apenas o símbolo dessas pessoas rígidas, preconceituosas, que assumem apenas a “imagem” relegando a plano quase morto o poder das emoções. O que fica bastante claro na frase “Uma formiga não perde a linha”. Mas, quando soam valores mais altos, quando o instinto materno se vê ameaçado, a Madame Formiga “descomputa”, roda a baiana e assume suas emoções, num dos melhores momentos da peça, quando se integram perfeitamente o texto, a interpretação de Bia Nunes (Madame Formiga), a música de Ubirajara Cabral, os figurinos de Kalma Murtinho e a direção de Maria Clara. Os Cigarras e os Formigas é um excelente espetáculo, que começa no texto inteligente e segue pelas músicas bem teatrais”Abençoado verão”, por exemplo), os bonitos cenários de Maurício Sette, com suas belas cores, os criativos figurinos (as figuras das irmãs Batista ficaram lindas), a coreografia de Cláudio Gaia e a iluminação envolvente de Jorginho de Carvalho. Isso sem falar neste elenco jovem e já bastante experiente, onde se destacam Bia Nunes e Bernardo Jablonski (o casal Formiga), Toninho Lopes (Haroldo Batista), Inês de Tevês (Mãe Cigarra) e as três irmãs Batista (Sura Berditchevsky, Maria Clara Mourthé e Vicentina Novelli). Enfim, está à disposição do público carioca um espetáculo bem estruturado, ágil, divertido, alegre, inteligente e realizado com alta competência profissional. Parabéns ao Tablado pelos seus 30 anos e pela expressiva maneira de comemorá-los.