Maria Calara Machado mantém há 30 anos o espírito de O Tablado, um grupo que sobrevive a modismos, a crises e a transformações. Para comemorar a data, o Tablado encena Os Cigarras e Os Formigas no Teatrinho do Patronato da Gávea

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 25.09.1981

Não dá para falar de Os Cigarras e Os Formigas, montagem comemorativa dos 30 anos do Tablado, sem um certo nó na garganta. Nem podia ser de outro jeito. Bastava ver que estavam na plateia, mais velhos e emocionados, Norma Blum e Roberto de Cleto, a princesa e o príncipe da infância de qualquer um que ande hoje pelos 25, 30 anos; para perceber que o aniversário do Tablado é, de certa forma, uma comemoração do passado de todos os que estavam na plateia. Ver os cartazes e fotografias antigos espalhados pelo teatro parecia uma viagem pela nossa própria vivência infantil, pelas emoções que se teve com O Cavalinho Azul ou Pluft. E os aplausos finais se dirigidos fundamentalmente a Maria Clara Machado, Ubirajara Cabral, Kalma Murtinho e ao elenco tabladiano por excelência, pareciam dirigidos igualmente a uma infância, a um tempo que já se perdeu. Os 30 anos do Tablado pareciam obrigar a plateia a se ver também mais velha, também adulta e distante do cavalinho azul. E mais velha, como a antiga dupla romântica do Teatrinho Trol; também emocionada, como Roberto de Cleto e Norma Brum.

Maria Clara Machado não poderia ter escolhido melhor o espetáculo comemorativo. Os Cigarros e Os formigas, montado anteriormente por Wolf Maia, na versão atual parece trazer a cena o que o Tablado tem de mais característico. A ironia de Maria Clara como sempre volta-se para a família e para os contos e histórias mais conhecidos pelo público infantil. Há uma oposição entre a ordeira família formiga e os desarrumados Cigarras. Há uma Julieta apaixonada por um indesejável Cigarra. Mas as histórias se cruzam e é a mãe Formiga que perde p tino, assim como o par romântico tem um happy end. As oposições estão em cena, mas não par que se repitam as histórias conhecidas. É para que se trace criticamente o perfil de personagens familiares que andam sempre na linha. E cujos passos ão rão previsíveis que podem ser controlados por um relógio que ocupa o centro do palco. Pelo menos até que Judith Formiga desembeste e comece a gritar: “Chega de andar na linha, Amadeu!”

Exemplar do espetáculo é a cena do desarvoro da Sra. Formiga. Ficam claras em Bia Nunes algumas das boas marcas registradas interpretativas do Tablado. Gesticulação exagerada, movimentos rígidos, comicidade se misturam na caracterização da mãe desesperada. E, de repente, com a entrada do fundo musical e uma pequena modificação no excelente figurino de Kalma Murtinho, onde se via a dona-de-casa perfeita, veem-se meias-arrastão pretas e um ar transloucado mais próximo à família Cigarra que aos Formiga. Transformação a que correspondem sucessivas quedas e movimentos de espanto por parte de Amadeu formiga e das tias. Movimentação excelente e comparável a outros bons momentos do espetáculo, como a coreografia de Claudio Gaia para a entrada da família Cigarra ou a tentativa de sedução de Haroldinho por parte de Maria Rubina.

Bastariam o cenário, os jogos com sobras dos atores e com as festas das janelas da casa das Batista para fazer de Os Cigarras e os Formigas um belo espetáculo. Conta-se, além disso, com todo o primeiro time do Tablado em cena. E certas sutilezas interpretativas de Maria Clara Mourthé, Bernardo Jablonski e Bia Nunes parecem homenagens particulares ao que se aprendeu no Tablado. Num espetáculo que, como é característico ao Tablado, deixa no ar um misto de ironia, caricatura e emoção. Dessa vez maior ainda porque se podem ver pelo teatro fotos de outros espetáculos, de outras emoções, de um outro tempo. Tanto mais apertado é o nó na garganta quando se acaba de assistir a Os Cigarras e Os Formigas quanto maior for o número de espetáculos a que já se assistiu no Tablado. Quanto mais se percebe, no espetáculo novo, traços dos antigos, traços de nossas antigas vivências infantis. Quanto melhor se conseguir ver nos rostos atuais de uma Norma Blum e um Roberto de Cleto, os príncipes e princesas de um tempo já passado. D, de repente, se torna compreensível até que Maria clara Machado foi interpretar a Maud de Ensina-me a Viver. Porque tem sido esse o seu papel no Tablado todos esses anos, para todos os Haroldos que passaram por ali como espectadores, alunos e atores.