A dupla Xodó e Prego brilha interpretando garis na peça Os Cenouras

Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 22.01.2005

 

 

 

Barra

 

Mais que palhaçadas

Espetáculo sobre ecologia resgata o universo clown

O espetáculo Os Cenouras, do grupo Valdevinos de Oliveira   Pequeno Teatro Cômico, em cartaz no SESC Tijuca, tem uma proposta clara de falar sobre meio-ambiente, ecologia, solidariedade. E isso é feito de uma forma na qual o cômico e o humor retiram do espetáculo qualquer caráter didático. Afonso Xodó (Leonardo Carnevale) e seu assistente Prego (Fábio Freitas) entram em cena para falar sobre a reciclagem do lixo. Xodó tenta conduzir os trabalhos da melhor forma possível, mas é sempre interrompido pelo colega.

Esse conflito se estabelece a partir da personalidade dos dois palhaços. Um é trabalhador, organizado; o outro desatento, preguiçoso. Portanto apesar de ali chegarem com o mesmo objetivo muitas confusões ocorrem pela diferente maneira de ser dos dois palhaços. Depois de muitas confusões, brigas, gags próprias dos universo do clown, os dois acabam chegando a conclusão de que a cooperação entre eles e alguns voluntários da plateia é que pode ser a  solução.

Além de realizar um teatro preocupado com a transformação social, o Valdevinos de Oliveira pesquisa sobre humor e o universo do clown. É um grupo de pesquisa e treinamento constante, visando não só ao crescimento artístico de seus integrantes, como também ao domínio da linguagem do clown.

Vale lembrar que o tradicional universo do clown conta com uma dupla de palhaços: o Augusto (ou Clóvis) é o palhaço branco, que representa a ordem, o correto e o Tony é exatamente a rebeldia, o desleixo. Os Tonys sempre levam a pior, chegando a apanhar dos autoritários palhaços brancos. Diz Federico Fellini em seu filme I Clowns que, na verdade, os dois são verso e reverso da mesma moeda – o ser humano. E é a partir desta oposição complementar que se estabelece toda a trama e de onde os palhaços retiram o seu material de humor e comicidade. No Brasil, uma das mais conhecidas e lembradas duplas é Fred e Carequinha, na qual Fred era o palhaço branco e Carequinha – ainda hoje em atividade -, o Tony.

O público é sempre levado a se identificar com o Tony. Mal vestido, desleixado, o que usa o nariz vermelho e sempre leva a pior. O Clóvis é o palhaço que tem elegância, postura, que tem o mando, No espetáculo Os Cenouras, Afonso Xodó é o palhaço branco e Prego é o Tony. Os dois têm uma cumplicidade perfeita e um tempo de cena exato do palhaço, que é diferente do tempo do ator. O espetáculo é perfeito para a rua, pois os dois atores aproveitam cada acontecimento ao redor para integrá-lo ao espetáculo. A rua é o espaço de treinamento destes atores, é o que alimenta o seu trabalho. De certa forma, o teatro limita – mas sem prejudicar o espetáculo – esta “liberdade” ampla que Os cenouras conseguem na rua.

O trabalho constante da dupla evidencia um entrosamento perfeito entre os dois personagens, que, em sintonia, caminham através de um fio condutor bem definido, mas onde a improvisação tem um espaço bastante significativo. As crianças se divertem, participam e se integram à ação. Como um grupo permanente, de trabalho constante e contínuo, a ficha técnica é por eles mesmos composta. Ambos criam cenário, figurino e adereços. A luz é de Leonardo Carnevale. O nome do espetáculo, na verdade, remete à cor usada pelos garis, que é o figurino básico dos atores, que trabalham com elementos do cotidiano – vassouras, baldes – transformando-os em elementos cênicos. A direção do espetáculo é de Márcio Libar.

O trabalho dos Valdevinos de Oliveira é importante pela sua preocupação social, pelo resgate da linguagem do clown e por conseguirem manter um treinamento constante e uma atividade ininterrupta de apresentações desde 1998.  Além disso,  as crianças embarcam no universo de Xodó e Prego, se divertem, aprendem e “jogam” com eles todo o tempo. Trata-se de um espetáculo envolvente e divertido, que atinge crianças de uma larga faixa etária. É o picadeiro no palco.