Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 01.02.1992

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O fim do mito do bicho-papão

Algo misterioso envolve a preferência das crianças quando começam a se interessar por ouvir histórias. Invariavelmente, depois de uma breve seleção de repertório, passam a escolher sempre a mesma história que, ao ser recontada – por algum familiar paciente – tantas vezes quantas forem às solicitações, causa a mesma alegria, como se estivesse sendo ouvida pela primeira vez. Algumas crianças chegam a decorar trechos inteiros que, se omitidos, são de imediato cobrados. E, para cada final “e foram felizes para sempre”, sempre se escuta a mesma frase: “Agora conta outra vez.”

Dessa maneira, não é de espantar que normalmente os títulos em cartaz no teatro dedicado a infância sejam de enredos bem conhecidos de seu público.

Os Apuros de Vermelhinha, em cena no espaço externo do Museu da República, é uma bem-humorada versão de Chapeuzinho Vermelho, o clássico de Charles Perrault, com todos os já conhecidos personagens – a mãe, a avó, a menina, o caçador e o lobo. Todos eles, nesta adaptação de Marcello Caridad (que também está na direção), vivem situações bem menos convencionais que as do original em que foi inspirada. Assim, Vermelhinha filha e Vermelhuda mãe moram na Tijuca e é de metrô que chegam na casa da Vermelhona avó, Não sem antes encontrar, lá pelo Flamengo, o Lobão Mau, um verdadeiro galã.

Caridad usa e abusa, em sua versão, de citações televisivas, sem no entanto se entregar ao apelo fácil de manjadíssima gags e bordões. A peça recupera de maneira deliciosa vinhetas de seriados, tipos marcantes da sessão da tarde com Jerry Lewis e a agilidade dos desenhos animados. A personagem-título, em vez de passear na floresta colhendo florezinhas, toma o maior cuidado para que no caminho da casa da vovó não lhe roubem o tênis. Além disso, prende o cabelo na gola do chapeuzinho para evitar a gangue da tesoura e não aceita bala de jeito nenhum. Suas aventuras são todas anotadas numa agenda cheia de adesivos, guardada na mochila.

Com todas essas referências ao cotidiano infantil, a empatia das crianças com a Vermelhinha de Janaína Emerick é imediata e, ao contrário de outras versões, o Mau de Raymundo Ribeiro provoca suspiros na plateia feminina, acabando de vez com o mito do bicho-papão. Já não era sem tempo.

Cotação: 2 estrelas ( bom )