O nascimento do teatro moderno tem como data referencial à fundação, por Antoine, do Théatre-Libre em Paris, em 1887. Onze anos mais tarde, em Moscou o Teatro de Arte de Stanilavski.

A partir daí não se pode mais falar de uma postura dogmática ou mesmo aristotélico com o textocentrismo, onde toda a encenação era apenas para valorizar o texto e as ideias textuais. E este processo aí iniciado não para mais, portanto não se pode ter um pensamento maniqueista definindo modos certos ou errados de fazer arte, de encarar o teatro e o texto teatral.

Yan Michalsky diz: “Uma das manifestações mais nefastas da indigência cultural é glorificar o novo e ridicularizar o velho – sem se dar conta do movimento contínuo. O teatro hoje pode sentir necessidade de ir buscar renovado fôlego naquilo que se convencionou chamar – volta à palavra escrita.” E completando Jean-Jacques Roubine diz: “ Nenhuma inovação começa do zero em matéria de teatro.”

Marca o início do teatro do moderno o surgimento da figura do “encenador” e os recursos da iluminação elétrica.

A partir daí inúmeros teóricos, encenadores, surgem com teorias que se renovam, que mantêm o fluxo deste movimento. Algumas teorias lançadas, de início rejeitadas, são retomadas anos depois, novas tendências surgem, novos movimentos em busca do novo.

E daí por diante temos um sem número de pensadores: Stanilavsky, Grotowsky, Brecht, Barba, Meyerhold. Hoje, no século XXI, no teatro contemporâneo é impossível se analisar qualquer texto e/ou espetáculo, em que não se veja uma ou outra teoria lançadas por estes realizadores.

Dificilmente um espetáculo segue uma única direção, um único caminho, a não ser aqueles que se filiam – até mesmo como estudo e pesquisa a uma determinada linha de pensamento. E nesses textos ou espetáculos vemos de Aristóteles, Hegel, até os nossos dias num processo contínuo de renovação, transmutação, busca, que não pode deixar de ignorar nenhum destes grandes pensadores. A pluralidade é patente quando analisamos o texto e/ou o espetáculo teatral. Estas teorias já se impregnaram nos realizadores contemporâneos, mesmo naqueles que negam tudo o que veio antes e insistem em descobrir a roda.

Neste trajeto, há períodos onde o texto é a única verdade, se alternando com outros quando o não-texto é a única verdade, entremeados com movimentos que buscam a interação destes dois pontos – o texto e a direção, que segundo alguns teóricos é uma guerra de poder, de status, e talvez por esta razão Brecht, assim como Artaud preconizam que o espetáculo teatral deve ter um único mestre de obras.

Histórico da Importância do Texto Teatral

No século XVII iniciou-se a “sacralização” do texto teatral. Todas as artes que formam o “tecido teatral” estavam subordinadas e sublinhar e enfatizar as ideias dos textos. Todas as artes do espetáculo eram subordinadas ao texto: o trabalho do ator – que tinha função de “encarnar” um personagem e ter uma boa dicção do texto e seguindo em sequência de hierarquia vinha abaixo do autor – o diretor ou ensaiador, figurinistas, iluminadores, etc.

Os movimentos que não se inclinaram diante do predomínio do texto eram sempre marginalizados e – ao mesmo tempo – admirados. A Commedia dell’arte está neste bojo.

O século XX assistiu a uma multiplicação de buscas, uma das mais acirradas a de Artaud que negava o lugar dominante que se pretendia dar ao texto, no conjunto da realização teatral. Mas até o final da década de50 a noção de polissemia não era admitida – um texto veiculava um único sentido, do qual o dramaturgo detinha a chave. Mas a encenação moderna não questiona em absoluto a supremacia do texto – fonte e destino do espetáculo.

A Sociedade do Drama Novo, fundada em 1902 por Meyerhold aborda o fenômeno exclusivamente teatral que tende a desviar-se para um tipo de espetáculo próximo das formas não-dramáticas do teatro, remetendo às Artes Plásticas, à pintura, à música, dedicando um intenso interesse às tradições estranhas ao textocentrismo ocidental – além daquelas o balé, o Ciro, a commedia dell’arte, o teatro nô, a ópera chinesa.

O teatro épico, Brecht, demonstra o caráter enganador do debate que pretende opor texto x espetáculo e que entre ideia e imagem cênica não há incompatibilidade. Grotovsky trabalhou com textos clássicos como os de Byron.

Status do Texto

No teatro moderno o texto perde o aspecto do sagrado que emanava principalmente de suas virtudes literárias. Isto vem desde o teatro grego onde o texto é que importava, tanto que a “encenação” e o ator não tiveram um desenvolvimento significativo no teatro grego. Os atores não eram profissionais e os próprios autores como Sófocles subiam ao palco para “dizer o texto, encarnando um personagem”.

O texto perdeu seu caráter sagrado, mas não perdeu o seu lugar dentro do espetáculo. O que se amplia é a noção de narrativa.

Alguns teóricos consideram o mundo uma grande narrativa, composta de pequenas narrativas – tudo é narrativa. O espetáculo, o texto, o ator, o cenário, o figurino, a luz, construindo um grande tecido narrativo que tem uma estrutura invisível que o sustenta, como a sintaxe de uma língua é uma estrutura invisível que sustenta os princípios de uma língua, mas não se imobilizam. Estes princípios são dinâmicos e em constante evolução. O público, portanto aceita julgar uma encenação pelo critério do seu rigor, de sua riqueza, de sua originalidade, de suas qualidades intrínsecas.

E contrariando os receios de uns e os desejos de outros, as experiências contemporâneas, mesmo as mais audaciosas, não inventaram o teatro sem texto.

Os maiores acontecimentos dos últimos trinta anos pertencem claramente a um teatro em que o texto permanece como um dos pilares do edifício. Ao mesmo tempo, outras formas de tratamento e criação do texto surgiram e se firmaram como o caso da improvisação, da criação coletiva. Nada disso impede que, em última instância, o espectador esteja colocado em confronto com um texto. Nenhum encenador conseguiu – e nem procurou – anular o texto.

Em compensação esses movimentos suscitaram outro tipo de texto, completamente integrado ao espetáculo, a ponto de, por vezes, se tornar indissolúvel dele, o que faz-nos ter dois tipos de texto:

– os textos chamados funcionais, que só existem “colados” ao espetáculo;

– e os textos de significado, que existem independentemente da encenação, que, na verdade, se não se faz no palco, se faz no imaginário do leitor.

Essa evolução se assemelha a uma mutação. O lugar e a função do autor continuam sendo redefinidos.

E como diz Renata Pallotini, dois mais dois são quatro, se você conseguir provar que dois mais dois são cinco e que isto é melhor, ótimo.

A grande questão é que hoje todos reivindicam a invenção da roda, quando, na verdade, falta uma visão mais ampla do que seja dramaturgia, do que seja o texto dramático, do que seja o espetáculo, a encenação – A Narrativa e Sua Estrutura – presente no texto teatral e na própria encenação, mas também no romance, no conto, na crônica.

O Teatro Épico, o Teatro Narrativo, a Narrativa Oral Cênica

É preciso diferenciar esta nomenclatura, para que se possa entender a mescla de técnicas hoje nos palcos.

O teatro épico de Brecht é um teatro narrativo, que trabalha com o contar, abandonando exatamente uma das premissas básicas do teatro que é o mostrar. Mas o teatro de Brecht vai além. Ele tem um caráter didático, político, propõe a mudança da relação de identificação do espectador, com o seu distanciamento que lhe permite ao mesmo tempo viver e analisar os fatos que lhe são apresentados, e para isso Brecht usa múltiplas linguagens, como os cartazes, etc.

O teatro narrativo não tem esta proposta tão ampla. O teatro narrativo, aquele que defende que tudo é teatro, simplesmente ao invés de mostrar um fato, narra um fato. Ao invés de encenar um texto, lê uma narrativa, ou fragmentos, se utilizando a linguagem teatral.

A narrativa oral cênica é a irrepetível narração do que é narrado, pois ela se faz no momento da relação do “contador” e seu ouvinte, surgindo a figura do contador resgatado da tradição oral desde a oralidade primária – antes da escrita e a oralidade secundária – após o advento do registro escrito.

É esta realização no momento da narrativa oral cênica, na relação contador x ouvinte que advém a diferença entre contador e narrador.

Com o contador a história e as imagens se criam na relação direta com o espectador, do contar. O narrador oral cênico conta com um público e não para o público, que é seu interlocutor – e nunca um espectador.

O narrador diz um texto para uma plateia. Um texto que pode ser utilizado para substituir a ação que poderia estar sendo mostrada e esta opção pode ter muitas razões, como acelerar a narrativa, ou simplesmente pela dificuldade de transposição de linguagens nas adaptações do texto narrativo para o texto dramático, que é uma narração considerada indesejável pela maioria dos teóricos, ou o narrador que comenta a ação dramática e as interliga. Há uma corrente dogmática, da qual fazia parte o pernambucano Marco Camarotti, que defende que a existência do narrador no palco é sintoma de má dramaturgia, bem como o uso do “flashback”.

Em suma, como diz Francisco Céspedes, o teatro é ação, a narração oral cênica é sugestão, o teatro é representação, a narrativa oral cênica é apresentação.

A Nova Dramaturgia

O manifesto da nova dramaturgia lançado no jornal O Globo, determina que o texto teatral não pode ter início, não pode ter meio, não pode ter fim.

É a receita que determina normas e regras para o bom teatro, o bom texto.

Os anos 90 se caracterizaram por uma Dramaturgia Autônoma (teatro pós-dramático) que permite sinais de vitalidade e base sólida para ser otimista nos tempos atuais, apelando para o humor como receita, em torno da abordagem reflexiva e da tendência generalizada e do esvaziamento dramático e da abolição da ficção aristotélica como prática evocativa da realidade.

A revisão da Arte Poética de Aristóteles vem desde sempre, quando já as suas premissas básicas de Unidade de Tempo e de Local já foram há muito abolidas, mantendo-se ainda a Unidade de Ação. Hegel parte da teoria da Arte Poética de Aristóteles e acrescenta conceitos, reformula. Aristóteles é a origem – depois é o processo em evolução permanente, e para que se possa analisar tudo o que se diz em dramaturgia temos que começar pelo início – dos fundamentos da tragédia.

Preferimos a Arte sem nenhuma regra, sem nenhum dogma, com total liberdade de exercer a sua função plenamente, ou suas múltiplas funções, como – provocar, emocionar, instigar, reler – e tantos outros que significam criação + razão – que é o princípio da dramaturgia desde Aristóteles.

Portanto, nestes encontros, todas as possibilidades existem.

A partir de uma teoria básica que precisamos dominar, podemos não inventar o dois mais dois que são cinco de Renata Pallotini, mas podemos transitar pelas diversas opções por escolha, conscientemente, e não por não nos termos detido, em nenhum momento, na reflexão teórica sobre uma práxis.

As teorias de Aristóteles e Hegel serão as estruturas narrativas, serão o fio condutor destes encontros, a partir do qual, a posteriori, poderemos transgredir, negar, recriar e experimentar a expressão dramática que cada vez mais se identifique.

Anexo

Da monografia de Carlos Augusto Nazareth, conclusão do curso de pós-graduação da UFF em literatura infantil – Textum: o tecido narrativo.

“Nas mais diversas culturas surge periodicamente a tendência para considerar o mundo como um texto e consequentemente o conhecimento do mundo é equiparado à análise filológica desse texto: à leitura, à compreensão, à interpretação.”

(…)

“O texto universal compor-se-ia por “textos da vida” e “textos da arte”: unicidade contra pluralidade, existindo entre estas um isomorfismo geral ou mesmo uma relação generativa”.

Lotman e Uspenskij, 1988 (12)

A Tessitura do Espetáculo Teatral

A partir destas informações de Lotman e Uspenskij, podemos pretender tomar um texto como expressão do universo.

O macro texto – o universo seria composto de milhões de micro-textos que, interligados, o estruturam.

E ainda mais: textos de arte refletiriam, por mimetismo – conceito encontrado na Arte Poética de Aristóteles – os textos da vida.

É a vida representada na arte.

Portanto, o texto teatral seria um dos muitos textos possíveis, e, como os outros, reproduziriam o mundo real através da “mimesis”.

A palavra textos é o particípio passado de texere empregado em sentido figurado, metáfora que considera o conjunto linguístico do discurso como um tecido.

Compreende-se que a palavra textos tenha surgido num mundo judaico-cristão que possuía as tábuas da lei “escritas pela mão de Deus” (Êxodo, 31, 18) que assim torna sagrado o próprio ato da escrita. E o teatro tem sua origem no sagrado também.

O texto expressa o mundo, e a compreensão e interpretação dos textos são a compreensão e interpretação da vida e do mundo.

“A arte é a expressão da consciência humana em uma imagem metafórica única”.

Susanne Languer, 1998.

O espetáculo teatral é uma narrativa que começou a ser analisada sistematicamente nos anos de 1915-1930, pelos formalistas russos que se apoiavam nas sugestões do grande folclorista Veselovskij. E foi ainda um folclorista, (Propp, 1983) que, nesses mesmos anos, levou mais longe o método de análise. Estas investigações foram retomadas a partir dos anos 50, com a contribuição de etnólogos como Lévi Strauss e teóricos da literatura como Todorov, Bremond.

O Teatro, Obra de Arte

“O indizível – aí é que começa a Arte”.

Jean-Louis Ferrier, 1998 (34)

Arte – definições diversas tentam se acercar do indizível. Será arte todo objeto que possui qualidades artísticas, tendo na estética sua função dominante, dada pela intencionalidade do artista?

Será que existem valores característicos do belo? Hoje, como pensamos Arte e valores estéticos? Qualquer objeto ou atividade pode ser detentora de uma função estética?

Será a sensação de prazer que se faz quando estamos diante de uma obra de arte? Prazer este que move a necessidade de repetição deste estado.

O diretor de teatro Peter Brook disse, certa vez, a beleza de uma peça está na qualidade e na perfeição que o público é nela capaz de identificar.

O juízo estético não é juízo dessa adaptabilidade, mas expressa o prazer desinteressado que experimentamos ao concentrarmos a nossa atenção na apreensão de um objeto. Kant propõe ainda o pleno exercício na apreciação da obra de arte.

Esta experiência do prazer estético, ao qual se segue o desejo de repetição, no teatro, seguindo a teoria de Peter Brook é a qualidade – e acrescentamos, o equilíbrio e a unidade conseguida através da pluralidade de expressões artísticas que vão para a cena. São inúmeras linguagens que se unem para mostrar a história. E por mostrarem, a palavra não é o seu material único, mas uma diversidade de linguagens que se percebe, que se sente e que se vê em cena. Tudo serve ao objetivo central de se encenar ou um texto, ou uma ideia, ou um fragmento – importa o suporte, mas importa mais o que se quer dizer ao público, e tudo deve estar a serviço deste objetivo: cenários, figurinos, luz, cor, atuação, texto e o que mais entrar em cena. Esta unidade onde os múltiplos sentidos são atingidos pela diversidade de linguagens, este bombardeio múltiplo e uníssono à emoção e ao racional é que faz existir a experiência estética no teatro que tem esta característica de estímulos múltiplos sendo absorvidos num mesmo momento e ativando todas as áreas de percepção.

A função do teatro é múltipla. O teatro é ritualístico. Possivelmente em suas mais antigas expressões se confunde no tempo com a origem do contar histórias.

No caminhar dos tempos o ritualístico se tornou expressão quase que religiosa, por um lado, e herética por outro, mas o ritual, a celebração, permanece em sua base.

No teatro Grego, as grandes questões, arquétipos e mitos eram oferecidos ao público e a catarse era o grande propulsor do teatro grego. E o passar dos tempos foi reunindo em torno do teatro inúmeras funções.

Portanto, o teatro continua discutindo as questões básicas do homem. Quem sou? De onde venho, para onde vou?

O teatro discute as questões do homem posto no mundo, tanto numa visão diacrônica como sincrônica.

O teatro é ontológico. Fala da própria história do homem.

O teatro continua catártico, e é, ao mesmo tempo, uma expressão artística a ser apreciada, onde inúmeras linguagens se reúnem para discutir o Homem. È a única arte em que se vê o drama acontecendo ali, naquele momento, naquele lugar. Você presencia. É a grande diferença entre o contar e o mostrar, que o teatro dramático tem como único.

A mimesis aristotélica tem que ser entendida exatamente aqui. Não se reproduz um fato ou uma ação, se reproduz um estado de espírito. A emoção do teatro vem da emoção que se repete todos os dias, ou que se renova, que se refaz. Não é uma simples repetição de palavras, uma repetição física. É um resgate de um momento onde a emoção tem que estar presente, ou corre o risco de não ser teatro.

Dentro desta perspectiva o teatro tem a função estética, catártica, questionadora, transformadora, política e social – uma obra de arte enquanto expressão artística do homem, que fala do homem, para o próprio homem, questiona o homem e questiona O Homem.

A Narrativa

O tratado de Aristóteles – Poética – é o paradigma a partir do qual foram compostas quase todas as poéticas seguintes – exceto na Idade Média que, não conhecendo seu texto recorria a um seu derivado, A Ars Poética de Horácio.

Como se viu seu conceito de mimesis é complementar de uma concepção gnosiológica da arte, mas não se confunde com imitação de fatos concretos, mas sim de questões humanas.

O imitar aristotélico das ações é uma criação, pois resgata o mundo nos mesmos moldes pelos quais ele de produz e isto se dá pelo intermédio do próprio mundo. O imitar o estado do homem e não a ação pura e simples do homem, recria a situação desencadeadora da ação, a emoção presente e que domina o agente da ação, que recria o clima em que se deu a ação. Medeia ao se lamuriar da tragicidade de seu destino, reconstrói este trágico sentimento. Cria. Recria. Portanto, a mimesis é, para Aristóteles, ativa e criativa e não meramente reprodutora de ação desprovida de sentimento e
descontextualizada.

A “degeneração” do entendimento do sistema aristotélico revela-se por vezes no entendimento equivocado dos conceitos de mimese e verossimilhança.

A Poética de Aristóteles continuou a ser desconhecida até o fim da Idade Média. Teve-se conhecimento pleno dela a partir de 1948, através de uma tradução. Só na metade do século XVI as “poéticas” começaram a recorrer decididamente ao modelo aristotélico.

“A fábula deve ser constituída dramaticamente, isto é, deve compreender uma ação única, que forme um todo coerente e completo em si mesmo e tenha princípio, meio e fim, de modo que seja um perfeito organismo vivo que possa produzir o prazer o que lhe é peculiar”.

Aristóteles

Carlos Augusto Nazareth
Diretor de Teatro