Critica publicada no Jornal da Tarde
Por Alberto Guzik – São Paulo – 1986
Meditando sobre o tempo. Com competência
O Tempo e os Conways tem uma estrutura dramática interessante valorizada pelo Grupo Tapa
O Tempo e os Conways curiosa meditação teatral de J. B. Priestley sobre a natureza do tempo e seu efeito no homem, serve ao espectador de são Paulo como cartão de apresentação do trabalho de uma equipe carioca, o Grupo Tapa. O Conjunto, formado em 79, reúne já algumas cifras impressionantes: em sete anos encenou 13 espetáculos, amealhando 17 prêmios Mambembe e um Molière. Vem conquistando também o respeito do público, que se alia ao aplauso unânime da crítica. Ao assistir a O Tempo e os Conwyas entende-se por quê. Temos no Grupo Tapa um modelo de profissionalismo e seriedade no trato com a matéria teatral, o que é surpreendente quando tratamos de uma organização relativamente recente e integrada na maioria por jovens, do encenador aos intérpretes.
Priestley armou seu texto, escrito em 1937, ao redor de um interessante artifício estrutural. O dramaturgo centra a ação nos anos de 1919, quando recém-terminara a Primeira Grande Guerra. Trata-se do vigésimo primeiro aniversário de Kay Conway, e o evento é comemorado com ruidosa festa. Em meio à comemoração, a garota tem uma visão que a transporta para 1937, onde testemunha o deprimente futuro de sua alegre e orgulhosa família. Retornando a 1919 e à sua festa de juventude, Kay é forçada a encarar parentes e amigos com presciência dolorosa; está transformada numa espécie de Cassandra moderna.
A despeito de sua teatralidade eficiente, da solidez do engenho de carpintaria em redor do qual foi armado, e que nunca deixa de se interessar ao público. O Tempo e os Conways é um texto datado. Arranjadinho demais, com as personagens enfileiradas como mostruários de qualidades e defeitos, virtudes e vícios. Não fosse essa obsessão pelo problema do tempo, que conduz Priestley a elaborar estruturas dramáticas interessantes (é o caso de Esquina Perigosa, de 1932, e de Estive Aqui Antes, também de 1937), e suas peças seriam criações convencionais, erigidas segundo as contidas normas estéticas dos anos 30 e 40. Mais que a criação de Priestley interessa-nos, na montagem do Grupo Tapa, a qualidade da encenação.
Esta, assinada por Eduardo Tolentino de Araújo, é um impecável estudo de estilo, uma celebração da teatralidade, da magia que a linguagem cênica possibilitou quando se acerta com precisão um dado de conceituação difícil, o tom do espetáculo. A direção difícil de O Tempo e os Conways, auxiliada pela cenografia de Ricardo Ferreira, os figurinos de Lola Tolentino, a direção musical de José Lourenço e a iluminação de Samuel Betts e Juares Farinon, consegue encontrar inteiramente o tom da montagem. O ritmo flui com segurança; a marcação sabe tanto fechar seu foco para cenas intimistas e confessionais quanto abri-lo em passagens movimentadas, que exigem estruturação cuidadosa, sob pena de perda de clareza.
O cuidado na elaboração do espetáculo e sua produção caprichada não causariam o mesmo efeito se as personagens estivessem entregues a atores incapazes de criá-las com a nitidez de caracterização que essa linguagem cênica exige. Beatriz Segall encabeça o elenco como atriz convidada. Confere à sra. Conway uma leitura precisa, fazendo-a estridente e fútil. A intérprete sabe igualmente valorizar os poucos momentos de genuína emoção da personagem, além de emprestar-lhe a bela voz, em especial na tocante Berceuse, de Brahms. Denise Weinberg faz Kay Conway com sensibilidade e desenvoltura. As demais irmãs Conway são vividas por Cristiane Couto, que dá vivacidade à bela e arrogante Hazel; Emilia Rey, que insufla ardor fanático à socialista Madge; Luciana Braga, que vibra na pele da encantadora Carol. Clara Carvalho faz com doçura a frágil Joan, amiga da família.
Não desmentindo a observação corrente de que o teatro brasileiro tem estado sempre mais bem servido de elencos femininos, o naipe masculino do Tempo e os Conways é integrado por Vicente Barcellos, que carece da luz do mimado e irresistível Robin Conway; Giuseppe Oristano, que não consegue dar a Alan Conway o peso necessário; Ricardo Blat, que está eficiente como o mesquinho Ernest Beevers, Luís Carlos Buruca, que vive sem brilho o empertigado Geraldi Thorton. Mesmo o desempenho menos satisfatório da ala geral dos atores não desmerece o bom resultado geral do trabalho do Grupo Tapa. Seu espetáculo é obrigatório; nem todos os dias deparamos com montagens erigidas com tanto requinte e tal solidez, Resta agora esperar que o Tapa volte a visitar São Paulo com seus outros espetáculos, que revivem clássicos brasileiros do século XIX, com os quais está constituindo um muito festejado Festival de Teatro Brasileiro.