O Tempo e os Conways, alta qualidade de texto e de montagem. Foto: Visão/Ronald Salgado

Crítica publicada na Revista Visão
Por Flávio Marinho – Rio de Janeiro – 04.12.1985

 

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Um espetáculo digno de respeito
Peça de mestre, numa bem cuidada montagem

Diabólico – Escrita em 1937 pelo inglês J. B. Priestley (1894-1984), o Tempo e os Conways entrou para a história da dramaturgia universal, principalmente por causa de uma diabólica trouvaille: no primeiro ato, outono de 1939, a família Conway desfila seus sonhos e aspirações; no segundo, passados dezenove anos, os sonhos viram pesadelos; e no terceiro vem o golpe de mestre do autor, ao retomar o clima do primeiro, quando já se sabe que tudo aquilo não vai acontecer.

Tudo e todos ganham, assim, inesperados contornos patéticos e comoventes, numa reflexão sobre a implacável passagem do tempo. Sem dúvida, um brilhante achado dramatúrgico. Mas também não há dúvida de que os personagens são habilidosamente construídos: marcados por uma sensibilidade e delicadeza dignas de Tchekhov, os personagens de Priestley tecem uma fina trama de sutilezas psicológicas, na qual seus altos e baixos emocionais são desenhados com precisão.

Bem cuidado – O primeiro ponto a chamar atenção no espetáculo apresentado pelo grupo Tapa e dirigido por Eduardo Tolentino de Araújo é o cuidado plástico que cerca a produção. Os figurinos de Lola Tolentino são de inegável bom gosto, a cenografia de Ricardo Ferreira apresenta inteligentes soluções e existe um apuro cromático no tratamento visual do espetáculo que, aliado a certos detalhes da mise-em-scène, faz com que a montagem seja, pelo menos, digna do respeito que dedica ao público.

O primeiro ato, com seus tons pasteis, atinge um clima diáfano-impressionista que empresta à cena um adequado realismo poético. Uma linguagem à qual o diretor parece estar mais sintonizado do que o realismo naturalista do segundo ato, no qual chega a permitir a interferência de uma luz inexplicavelmente expressionista. Confundindo aridez com rigidez, o espetáculo cai sensivelmente no miolo – quando até o elenco parte para composições mais óbvias -, para recuperar-se, até certo ponto, na parte final.

O elenco – Aracy Balabanian consegue projetar a ironia e a austeridade da Sra. Conway, mas é deslocadamente over nas explosões emocionais. Pedro Veras realça todas as possibilidades de humor de seu personagem – um burguês ascendente em meio a aristocratas decadentes -, enquanto Denise Weinberg imprime o necessário peso à sua atormentada Kay. Trazendo o frescor e a pureza de Carol, Luciana Braga tem o desempenho mais equilibrado de um elenco, no conjunto, não muito adequado à peça. Mas que não chega a impedir que o espetáculo seja visto com carinho.

Serviço: O Tempo e os Conways, de J. B. Priestley; tradução de Renato Icarahy; direção de Eduardo Tolentino de Araújo; cenografia de Ricardo Ferreira; figurinos de Lola Tolentino. Elenco: Aracy Balabanian, Denise Weinberg, Pedro Veras, Luciana Braga e outros. Teatro Ipanema, Rio de Janeiro