Crítica publicada em O Estado de São Paulo
Por Carmelinda Guimarães – São Paulo – 21.09.1986
Com elegância britânica
Um importante texto da moderna dramaturgia inglesa – O Tempo e os Conways, de J. B. Priestley – está em cartaz na cidade, no Teatro Aliança Francesa. Com Beatriz Segall no papel principal, a peça foi encenada com requinte e elegância britânicos.
“Fomos feitos para a dor e o prazer. E quando tal for claro saber. Vamos seguros o mundo percorrer.” Estes versos de William Blake, poeta inglês, são o pano de fundo que J. B. Priestley usa como tema de reflexão de sua peça O Tempo e os Conways, contando em dois tempos a vida de uma família no período de vinte anos.
O aniversário de 21 anos da filha Kay coincidindo com o final da primeira guerra e a volta dos dois irmãos que estavam na luta faz o primeiro e o último retrato da família. O clima é de euforia, todos são jovens e cheios de planos e a mãe, viúva de um rico industrial, é uma mulher ainda plena de encantos. Passou a vida protegida pelo marido, e mesmo depois de perdê-lo continua amparada pela grande fortuna da família. Seu universo é feliz e tranqüilo. Nada ameaça sua segurança.
Invertendo a ordem cronológica, Priestley mostra, no segundo ato, entre dois momentos da festa, a vida dessa família quase vinte anos depois. É novamente o aniversário de Kay que faz 40 anos. Dos planos de grande escritora que tinha na juventude, ela contenta-se agora com um trabalho de repórter de jornal em Londres. O clima é de vésperas de uma segunda guerra e de grande crise. A situação econômica da família é crítica e todos se defrontam com o fim do sonho. “Metade dos nossos problemas agora são porque pensamos que o tique-taque do tempo esteja consumindo as nossas vidas. É por isso que nós nos agarramos, nos arranhamos e nos ferimos uns aos outros. Como se estivéssemos em pânico num navio que afunda.”
Como grande romancista que era, Priestley mostra através de cada personagem uma parte do retrato do período, como uma charada (a brincadeira predileta da família) ou um quebra-cabeças: o surgimento das idéias socialistas, a ascensão de uma classe de negociantes, que sabe tirar proveito econômico da crise, a decadência de uma classe dominante que não sabe encarar a realidade competitiva, e vai falindo.
A direção de Eduardo Tolentino de Araújo é fiel ao texto. Ele funde num único ato os dois primeiros, mas mantém todo o espírito da peça. Realiza um espetáculo preciosista, minucioso em detalhes de figurino e cenografias requintados.
O elenco foi escolhido e ensaiado com o mesmo cuidado. Não há deslizes. Beatriz Segall canta em alemão impecável na voz e no idioma. Denise Weinberg e Luciana Braga atingem grandes momentos, mas o elenco é todo homogêneo.
O espetáculo tem uma elegância britânica e traduz com correção um importante texto da dramaturgia inglesa.
Serviço: Ficha técnica – O Tempo e os Conways, de J. B. Priestley, tradução de Renato Icarahy. Direção de Eduardo Tolentino de Araújo. Cenários de Ricardo Ferreira e figurinos de Lola Tolentino. Elenco: Beatriz Segall, Cristiane Couto, Denise Weinberg, Emilia Rey, Giuseppe Oristanio, Luciana Braga, Luís Carlos Buruca, Maria Clara Carvalho, Ricardo Blat e Vicente Barcellos. No Teatro Aliança Francesa, na rua General Jardim, 182, tel. 259-8412. Sessões de quarta a sexta-feira às 21h, sábados às 20h e 22h30 e domingos às 18h. Às quintas-feiras, matinê às 17h. Ingressos de Cz$ 80,00 a Cz$ 120,00