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O teatro é a arte que mais se aproxima do universo da criança, que, em sua atividade simbólica, constrói jogos e brincadeiras, tornando-se uma maneira essencial de ver e lidar com o cotidiano. É espontâneo se encarado como jogo, a partir das improvisações sobre as histórias e problemas da vida, que a criança cria e recria a todo o momento.

O utilizar do teatro na escola, deve ser acompanhado de uma elaboração de seus objetivos enquanto processo didático. É necessário fazer de início uma distinção entre técnicas teatrais utilizadas como método pedagógico, representações feitas nas escolas pelos alunos e arte teatral profissional realizada para crianças. Cada meio possui objetivo próprio e funções específicas quando tratadas pela escola.

As técnicas teatrais podem ser bastante úteis através de jogos exercícios quando direcionadas a desenvolver expressão, relação de grupo, liderança, cooperação, criação, ritmo, percepção espacial, etc. E também na sua utilização como método de fixação de conteúdos, através de improvisações simples em sala de aula ou aplicado na elaboração de “aulas teatrais” nas quais a professora utiliza recursos de teatro, como por exemplo, passar uma noção de matemática em tom de suspense, ou envolvendo os alunos para exemplificar noções (mesmo abstratas) em arranjos espaciais.

As representações feitas por alunos, devem ser pautadas por objetivos claros a serem atingidos. O teatro feito por criança em escolas deve ser encarado como processo e não como produto. Promover improvisações através de assuntos, objetos, bonecos, tem efetivamente resultados qualitativos no crescimento da criança se o objetivo traçado incluir apenas a criança e seu processo, e não visar a sua exibição.

Se a escola acredita que a arte teatral pode ter espaço em seu ambiente, é importante então abrir esse espaço, criar um grupo de teatro do qual participem apenas as crianças que quiserem, nas variadas e cooperativas funções que o teatro permite: atuação, cenários, figurinos, construção de textos etc. Mas o objetivo nesse momento será o teatro e sua complexidade de realização, que deve ser pesquisado e levado à frente, senão por profissionais, pelo menos por professores que conheçam o mínimo da arte teatral para pôr em execução essa proposta.

No início desse artigo colocamos a disponibilidade natural da criança ao teatro, pela sua atividade simbólica ser mediadora com a realidade, mas não se pode confundir o jogo cênico que é próprio da atividade teatral, necessitando de estudo e prática para ser realizado apropriadamente na frente de um público, que deve ser respeitado e tem expectativas quanto ao resultado do que vai assistir.

Ao traçar os objetivos para o encontro da criança com o teatro, é importante definir antes o conceito que temos do teatro e da infância. De acordo com a etapa de formação de seu pensamento e linguagem podemos obter um alcance maior com determinada técnica ou espetáculo teatral do que com outro.

Ao levarmos em conta, na elaboração do conceito de infância (de acordo com a faixa etária), a predominância da percepção sentida sobre o significado das palavras; a “leitura” de mundo através do sensorial e emocional; a lógica (que não é a do adulto simplificada) que opera sem a “lei” de causa e efeito; a peculiar consciência temporal não limitada à linearidade (princípio, meio e fim) mas que vive o “tempo de agoras”, entre outros aspectos – estaremos nos aproximando de uma infância que por natureza e necessidade, vê/sente o mundo de forma divergente dos tradicionais hábitos mentais de nossa sociedade. Através destas características poderemos formar uma visão de infância que servirá de base para selecionarmos objetivos e os tipos de técnicas e espetáculos a propor na escola, meios para avaliar o seu alcance.

O último item a ser observado é a importante participação na vida do aluno, do teatro profissional realizado para crianças e adolescentes. Todo espetáculo, independente da consciência que disso possa se ter passa visões de mundo através da estética e do conteúdo que apresenta. É importante que se tenha em mente que o teatro para crianças é a arte mais próxima do imaginário infantil, por isso influi no seu modo de ver a vida, auxilia na organização de sentimentos, estimula, em maior ou menor grau, a decodificação de estímulos sonoros e visuais e pode provocar a construção de outras histórias e verdades a partir do que é visto e ouvido. Encará-lo apenas como diversão pueril é descaracterizar o sentido de transformação social que toda arte possui, além de tratar de forma redutiva a capacidade de apreensão e intervenção na realidade que a infância e a adolescência exercitam no cotidiano.

Tratar as poucas oportunidades que no Brasil as crianças têm de encontro com essa arte, sem uma reflexão e trabalho sobre o espetáculo que será apresentado, é correr o risco de submeter crianças a espetáculos que reduzem a imagem que a própria criança tem de si, além de perder oportunidades de formação, alfabetização estética e criação, que podem contribuir efetivamente para o desenvolvimento de cidadãos críticos e participativos na busca de uma sociedade mais justa.

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Alice Koenow
Diretora, Produtora de Teatro

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 1º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (1997)