Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 11.04.1998

 

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Uma mistura talentosa de estilos

Nesse confuso fim do século, as múltiplas tendências teatrais se instalam em nossos palcos. Na verdade isto não é nenhuma novidade, os pesados anos 70 traziam para a cena a fina nata do teatro alternativo com seus programas mimeografados ao lado de requintadas produções do que ficou conhecido como teatro digestivo. Agora não acontece diferente no palco dedicado às crianças. Tem lugar pra todo mundo. O teatro poético, o resgate das antigas brincadeiras infantis, os musicais, o teatro de texto, de imagem, a revisão dos contos de fadas, a nova roupagem dos autores clássicos e muito mais. Nesse imenso bloco de tudo é possível, até um mix de estilos é bem-vindo.

Nesse último caso se enquadra O Teatro dos Fantasmas, peça em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, que reúne mais uma vez o autor Vinícius Marques e o diretor Ronaldo Tasso, responsáveis até então pelos megassucessos Tip e Tap Ratos de Sapatos e Os Dragões. Textos nada digestivos de Marques, que ganham acesso ao público a que se destina pelo senso de espetáculo de Tasso.. A nova peça segue a mesma linha.

No início do século 18, um grupo de atores ameaça o império da rainha Tarantina com suas intervenções teatrais e críticas a seu governo. Na noite de estreia, a rainha serve ao elenco um banquete envenenado. Por 200 anos os fantasmas assombram o teatro, até que Margot Lochard, uma atriz fracassada, resolve ocupar o palco a qualquer custo, nem que tenha como cast de apoio os sobrenaturais.

Com esse enredo muito pouco convencional e cheio de referências dirigidas aos pais ou até mesmo aos avós da jovem plateia – Margot Lochard, interpretada brilhantemente pela atriz Ana Borges, é uma caracterização de Norma Desmond de Crepúsculo dos Deuses – Ronaldo de Tasso consegue criar um espetáculo de grande apelo visual, sem se descuidar da performance de autor.

No elenco, Carlos Lofler e Amora Pêra marcam presença na turma dos fantasmas. Ele, pelo seu natural humor, ela, pela leveza que dá ao personagem. Na linha vilã que todos adoram, Ana Borges surpreende a plateia não só pela engraçadíssima composição do tipo, mas pela afinação nos números musicais.

Amparado por técnica de primeira, Tasso tem na moldura da encenação grande reforço para a cena. Os figurinos de João Gomes são luxuosos e muito criativos também, principalmente pelo mix na composição de época. As músicas de Eduardo Dusek, quase um texto de apoio, têm a marca da irreverência, mas acabam sendo prejudicadas quando o som chega truncado na plateia. Algo de estranho nos microfones. Nos cenários, Sérgio Marimba sai um pouco de sua conhecida marca “instalação” e cria um luxuoso ambiente de palco. Na iluminação, Paulo César Medeiros usa a ribalta com apropriada citação teatral.

Com tantas estrelas “fora de cena”, o espetáculo tem ainda coreografias aéreas de Dani Lima, da Intrépida trupe, e coreografia de palco de Renato Vieira. Como um luxo a mais, a peça tem música ao vivo e a presença de Monique Aragão no piano. Enfim: um espetáculo de talentos para uma ampla faixa etária de público.