O Teatro de Sombras de Ofélia: gostinho de quero mais


Crítica publicada no Jornal do Brasil 
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 14.11.2004

 

 

 

 

 

Barra

O visual rouba a cena no Teatro de Ofélia 

O Teatro de Sombras de Ofélia, com adaptação de Lucia Coelho e Marília Gama para o texto do alemão Michael Ende está em cartaz no Teatro Leblon. Quando se abre a cortina, o pano de boca é de uma beleza indescritível e nos faz crer que veremos um espetáculo eminentemente poético. No entanto, a composição de Márcia Cabrita para Ofélia se baseia no conhecido histrionismo da atriz. Como o fio narrativo é tênue, esse desempenho acaba se estendendo por todo o espetáculo. Muito à vontade, como sempre, Márcia faz números de plateia, conversa com as crianças e diverte bastante os adultos.

Ofélia é uma doce velhinha solitária, que queria muito ser atriz, mas ela só conseguiu ser “ponto” – aquele que, escondido da plateia, lembra aos atores suas falas. A história é uma grande metáfora em que as “sombras” de Ofélia representam os lados sombrios do ser humano. Estas sombras – uma delas se chama Angústia – se transformam pelo poder do teatro. Segundo o texto original, esse poder, tão forte quanto a própria morte, ao final, transporta Ofélia e suas sombras para um Teatro de Luz.

Secundando Márcia Cabrita, Fernanda Coelho faz com humor a sombra real de Ofélia. A atriz está particularmente bem na cena de A Megera Domada, uma das muitas tramas de Shakespeare que Ofélia conta para o público. Um achado de especial inspiração são os criativos figurinos de Cica Modesto que servem ao mesmo tempo aos atores e ao teatro de sombra. À frente da cenografia e dos figurinos, o trabalho de Cica é uma das gratas surpresas do espetáculo, que exibe até um “fusca” cenográfico, feito de um triciclo recoberto de crochê. Na verdade, a plasticidade e a força do espetáculo repousam sobre esse trabalho criativo, em crochê sobre palha de buriti.

A música, ao vivo, sob a direção de Tato Taborda, traz, brilhantemente, a contemporaneidade à cena. Dois músicos pontuam, com uma criativa sonoplastia. A luz de Jorginho de Carvalho dá o tom mágico do espetáculo. As técnicas de sombra eleitas pela diretora Lucia Coelho são as mais simples. Na maior parte do tempo ela se utiliza da sombra dos próprios atores e, em alguns raros momentos, de outras técnicas mais sofisticadas.

Lucia Coelho optou fazer de O Teatro de Sombras de Ofélia uma encenação divertida, com uma relação direta com o público, restringindo a carga poética do autor à parte visual da montagem. O espetáculo é um desfilar de situações sem uma evolução dramática suficientemente desenvolvida, um pequeno pecado que torna um tanto confusa a narrativa.

Apesar dos efeitos, o grand finale não chega a acontecer, porque falta exatamente uma estrutura dramatúrgica que o sustente. Para quem não leu o livro, o espetáculo agrada, mas a adaptação teatral deixa a desejar os que leram Michel Ende. Ainda mais quando sabemos que seu texto se baseia em uma conhecida teoria segundo a qual aquilo que move o ser humano é o medo e/ou o desejo de ser estas “sombras” – condutoras do destino dos homens. Mas O Teatro de Sombras de Ofélia sem dúvida diverte e encanta pela plasticidade, ainda que deixemos o teatro com um gosto de “quero mais”.