Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 23.01.1977

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A Importância do Sapateiro do Rei 

O que mais importa em O Sapateiro do Rei é o seu significado político, no sentido mais amplo da palavra. A cada dia fica mais fácil verificar uma tendência (positiva) no mercado do teatro infantil; bons profissionais do teatro para adultos estão se desenvolvendo com o teatro para crianças. E isso já pode ser observado nos vários setores de uma montagem; direção, elenco, cenografia, figurinos, música, luz, som e coreografia. Essa inclusão, infelizmente, não vem sendo observada no campo da dramaturgia. O único autor de peças para adultos que também escreveu para crianças em 1976, foi João das Neves (O Último Carro e A Lenda do Vale da Lua).

O Sapateiro do Rei é, antes de mais nada, uma montagem profissional, com o devido cuidado com todos os setores da produção. O espetáculo procura divertir as crianças e a direção de Gracindo Junior, faz da peça uma interessante brincadeira, com um agradável apelo visual e boa utilização do espaço (a cargo de Ricardo Steele), uma dinâmica e alegre movimentação (a cargo de Heloisa Millet), uma música comunicativa (a cargo de Edson Frederico). O texto de Lauro Gomes carece de um desenvolvimento mais elaborado, mas o espetáculo de Gracindo Jr. compensa isso, permitindo a manutenção do interesse através de um bom ritmo, do charme, do colorido, do mágico, e de um elenco firme. ( A única presença destoante é de Bentho Gomes, que faz um príncipe inseguro e inexpressivo. Em compensação, o público é brindado com o ótimo desempenho de Daisy Poli; o ar moleque, um bom trabalho de corpo, comunicabilidade, tempo-ritmo, uma dança ágil e bonita).

O texto de Lauro Gomes é mais uma peça na qual os bonecos tomam vida enquanto o dono adormece. Sem apresentar nada original ou significativo, o texto, todavia não compromete e tem um delicioso personagem que é o soldado – uma pessoa frustrada porque não consegue prender ninguém e que acaba prendendo pulgas e pares de sapato. Para as crianças maiores esse personagem pode lançar a pergunta: até que ponto os grandes repressores são, na realidade, os grandes reprimidos?

A grande decepção é a utilização do circuito interno de televisão. No release de apresentação do espetáculo. Gracindo Jr. afirmava:

– Quero colocar vários elementos de circo no Sapateiro, malabarismo, trapézio, mágica. A intenção é mostrar os dois lados de uma história. O lado mágico num plano, enquanto esses truques, paralelamente, vão sendo desvendados. Para isso vamos usar o circuito interno de televisão que faz parte do cenário de A Longa Noite de Cristal. Acho importante a importante a utilização da tevê. Poucas crianças, atualmente, não são vidradas em televisão e, se posso levá-las a olhar a tevê, apagar a tevê e ver os atores vivos, acho que o resultado é positivo para os dois lados.

O circuito de televisão não é utilizado; as coisas não vão sendo desvendadas: a montagem não utiliza o potencial de envolvimento e deslumbramento que as crianças têm com a tevê. Antes de começar o espetáculo a televisão mostra takes – rapidíssimos – dos atores prontos para entrar em cena. E, depois disso, mais nada. É como se dissessem: “Viram? Usamos a televisão! Não é interessante?” – e, depois, não tocassem mais no assunto. (ou, então, eu vi o espetáculo exatamente num dia em que o operador estava com preguiça de trabalhar…).

Outro detalhe que prejudica um pouco o espetáculo é a utilização do play – Black, tomando falsas as cenas, principalmente quando a música é cantada pelo príncipe.

O Sapateiro do Rei traz ao teatro infantil carioca mais um estímulo para a realização de um teatro para crianças cada vez profissional. O espetáculo de Gracindo Jr. é bonito, charmoso e alegre.