Os atores pisam no tapete toda vez que incorporam os personagens

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 23.09.2016

Barra

É preciso prestar atenção nas letras para entender a trama. Fotos: Thiago Leite

A peça é um convite para voar na imaginação

 

 

 

 

Barra

Paidéia emociona pisando firme em tapete mágico

Espetáculo inspirado em conto turco, O Sal e o Amor propõe um emocionante jogo cênico para falar de sentimentos usando fortes metáforas

Como crítico militante de teatro para crianças e jovens, apaixonado por dramaturgia e por boas histórias, não resisto quando vejo em cena toda a simbologia de um tapete persa, ou tapete mágico ou, ainda, tapete voador. Justamente o poder de fazer voar é o que remete essa nobre peça de tecelagem, lendária das histórias das Mil e Uma Noites, diretamente aos voos de nossa imaginação – e é por isso que, como elemento cenográfico, funciona tão bem no imaginário do público e é infalível em suas intenções fantasiosas.

Pois é justamente um grande tapete que envolve a plateia de O Sal e o Amor, nova peça do repertório da Cia. Paideia, com sede em Santo Amaro, em São Paulo. A plateia fica disposta em volta do tapete o tempo todo. Os atores começam na plateia e pisam no tapete toda vez que incorporam seus diversos personagens da trama. Essa solenidade de pisar no tapete precisa ser mantida, para que o público entenda a simbologia do tapete como o chão da fábula, o piso para o sonho, a morada da fantasia, e como detonador de narrativas ou, enfim, disparador de emoções.

E é o que ocorre na montagem. O elenco da Paideia, sob a delicada direção de Amauri Falseti, também autor do texto adaptado, está muito bem preparado para esse jogo de entrar e sair do tapete mágico – e foi isso o que imediatamente me fisgou para dentro do espetáculo. A plateia precisa realmente sentir que está voando livre pelos contos/recontos praticados em cima do tapete. Comigo funcionou.

Duas fábulas correm paralelas. A da menina que não sabe como responder ao pai o motivo pelo qual ela o ama, pois nenhuma imagem lhe é suficiente – o que faz esse pai achar erroneamente que a garota é insensível e dura. E a do menino que vive trancado dentro de casa, pela superproteção de uma mãe medrosa e despreparada. Pelas reviravoltas em suas duas histórias individuais, esses dois personagens vão acabar se encontrando em um só final, que arremata bem os dois conflitos. A trama da menina vem do mesmo conto turco que teria inspirado Shakespeare a escrever Rei Lear.

Vale a pena ressaltar aqui o quanto a música é sempre um elemento importante nas montagens da Cia. Paideia. Mais uma vez, isso fica muito evidente. O trabalho do diretor musical Marcos Iki, em cena com os atores, é primoroso. As canções interrompem a narrativa sem interrompê-la, o que é maravilhoso. Quero dizer, em outras palavras, que cada canção acrescenta mais elementos aos contos. Se você não prestar atenção nas letras (escritas em parceria por Iki, Falseti e Paul Gerlach), vai perder detalhes sobre as tramas. Isso não é novidade no grupo nem no teatro de forma geral, claro. Letras musicadas que ‘conversam’ diretamente com a trama fazem parte do estilo épico brechtiano, tão caro à Paideia.

Quanto ao elenco, além de comentar que está bem harmonioso e entregue ao jogo, quero também deixar registrado o quanto é curioso notar que, talvez involuntariamente, cada peça do grupo permite a um elemento se destacar. Pelo menos, sob minha ótica. Sempre saio de cada espetáculo da Paideia encantado com um dos atores. No caso de Círculo de Giz, foi com Carolina Chmielewski, fazendo um papel masculino incrível. Em O Coração de um Boxeador, de tanto fazer e refazer essa peça, uma das primeiras do repertório do grupo, Rogério Modesto a domina como ninguém. Em Dom Quixote, vibrei com a força cênica de Flávio Porto. Em Baltus – O Pequeno Herói, foi a vez de Manoela Pamplona ser um menino, de forma inesquecível. Aqui, em O Sal e o Amor, dois coadjuvantes me encantaram, pela firmeza e consistência de suas interpretações ao longo de toda a peça: Camila Amorin, como Sylvie, a dedicada serva da menina protagonista, e Valdênio José, como um velho dervixe, que aparece e desaparece misteriosamente, costurando as duas tramas. O trabalho de composição de voz de Camila e Valdênio contribui muito para a beleza e veracidade da trama.

Neste fim de semana, O Sal e o Amor está fazendo parte do décimo Festival Paideia de Teatro para a Infância e a Juventude – Uma Janela para a Utopia, depois segue na programação normal da casa. Para saber mais sobre esse festival, que traz a São Paulo espetáculos para crianças e jovens de cinco países diferentes, sugiro que leiam a reportagem completa no “Pecinha é a Vovozinha”  

Serviço

Local: Cia. Paideia de Teatro
Endereço: Rua Darwin, 153, Jardim Santo Amaro, São Paulo
Telefone: 11 5522-1283
Quando: Sextas às 10h e sábados às 17h
Duração: 60 minutos
Classificação indicativa: 6 anos
Ingressos: R$ 30,00 (ingresso apoio), R$ 20,00 (inteira), R$ 10,00 (meia), gratuito para professores de escola pública
Temporada: Até 15 de outubro de 2016