‘O ROUXINOL’: expressões
faciais desnecessárias e
figurinos pesados.

Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 28.04.2004

 

 

 

 

 

 

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Rouxinol sem sutilezas

Delicadeza do texto de Andersen se perde em montagem com excessos visuais

O espetáculo O Rouxinol do encenador, cenógrafo e figurinista João Gomes é uma adaptação do original de Hans Christian Andersen, em cartaz no Teatro Leblon. O texto de Andersen é delicado e foi adaptado pelo próprio diretor, que optou por uma encenação com foco na plasticidade. A história nos conta que o imperador da China ordena que tragam à sua presença um rouxinol de canto divino que habita os jardins do palácio. Ele é levado ao imperador e encanta a todos. Sua fama corre mundo e o imperador do Japão manda ao da China um pássaro mecânico, cravejado de pedras preciosas, que canta apenas duas canções. A corte prefere o pássaro mecânico, já que não é imprevisível e o rouxinol retoma sua liberdade. O tempo passa, o pássaro mecânico se gasta e o soberano, sem seu canto, adoece; está quase morto quando o verdadeiro rouxinol retorna e com o seu canto natural lhe devolve a vida.

O diretor opta por uma pesada plasticidade, preenchendo o espaço cênico com volumosos figurinos, riquíssimos, numa bem resolvida cenografia, feita apenas de panos, mas que, mesmo assim, cria o clima de opulência do palácio imperial. Mas esta exuberância plástica não serve à sutileza da obra de Andersen. Os excessos visuais e o acúmulo de informações dificultam a compreensão da narrativa, funcionando como uma cortina de fumaça.

Além disso, o texto apresenta um problema recorrente na transposição da linguagem narrativa para a teatral: as ações criadas muitas vezes não se misturam dramaturgicamente de modo amostrar a história; tornando-se necessário um narrador. Por outro lado, cenas são criadas desnecessariamente, fazendo com que se perca o fio narrativo. Há também referências à vida contemporânea, como celular, fax. Clássicos discutem os problemas inerentes ao ser humano, numa perspectiva ontológica; não necessitam destes artifícios de atualização para atingir a criança. Sem uma linha de atuação definida, o elenco recorre a uma linguagem de teatro infantil ultrapassada, com excesso de trejeitos, inflexões aleatórias e expressões faciais desnecessárias. A luz, de Djalma Amaral, funciona com eficiência para o clima de opulência, através de jogos e efeitos de luzes quentes.

A trilha sonora, de Cláudio Suisso, não mantém uma unidade lógica, indo do operístico ao popular, propiciando coreografias, assinadas por André Marques, que lembram o axé music. Mas o coreógrafo soluciona bem, com deslocamentos em grupo, o desequilíbrio entre atores, figurinos, cenário e espaço cênico. É por vezes desconfortável a excessiva altura da trilha sonora gravada.

Daniele Suzuki, que faz o papel de Ming Su, conduz sua atuação de maneira econômica, expressiva e adequada. Jerusa Castelucci, no papel do rouxinol, coloca sua bela voz e delicada presença cênica a serviço do personagem central. O elenco masculino, no todo, não consegue construir de forma convincente os personagens.

As trabalhosas caracterizações dos atores, de autoria de Pina Jr., bem cuidadas e fortes, causam impacto visual e reforçam a estética oriental proposta pela direção, assim como a movimentação dos atores, os adereços de figurinos e demais elementos de cena. É indiscutível que João Gomes realiza uma produção bem cuidada, mas certos ajustes poderão trazer a verdadeira história de Andersen, com mais clareza, para perto de seu público.