Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 04.12.1998
Longa carreira à vista
O Rouxinol do Imperador, um dos contos menos encenados de Hans Christian Andersen, ganha nova versão de João Gomes, também diretor do espetáculo. O Rouxinol, em temporada no Teatro SESC Copacabana, é um conto sufi de ensinamento e transformação, assim como as histórias de Sherazade eram contos de cura. Num caso e no outro parte-se do trágico para alcançar o equilíbrio e a felicidade. A mensagem está no ar, com toques de comédia musical, bufonaria e romance. Alguns desses elementos se desenvolvem bem no palco. Outros nem tanto.
A história já conhecida na literatura, gira em torno de um imperador entediado que, por influência de conselheiro, aprisiona o pássaro mágico, única alegria de seu povo. O Rouxinol canta para o rei até ser substituído por um outro pássaro, desta vez um brinquedo mecânico. Na medida do previsível, o brinquedo se desgasta, assim como a saúde do imperador. Na moral da história, O Rouxinol liberto canta para todos, povo e realeza juntos, felizes para sempre.
Do conto original, João Gomes aproveita a base do enredo e inclui ótimas cenas de ligação que dão sabor a história. As melhores ficam com o casal romântico do espetáculo: Gabriela Martins e Expedito Araújo, a Pequena Serviçal e o Pescador, personagens cheios de nuances que vivem as verdadeiras modificações do conto. Ela, esperançosa de viver perto do poder, e ele, sabedor da pouca glória da situação. Ao final , o encontro é emocionante, não só pela riqueza dos personagens, mas também pela qualidade da performance dos atores.
João Gomes concebeu seu espetáculo para arena, com cenários muito delicados e estruturas de panos dourados e transparentes que descem do teto formando diversos ambientes. Seus figurinos da velha China são entremeados de detalhes em palha que lembram os orixás do candomblé. As coreografias de Helena Varvaki, também mescladas com dança africana, fazem bonitas figuras, principalmente para as mulheres guerreiras, como Iansã, e brejeiras, como Oxum. Um caldeirão cultural muito oportuno.
Mas se o espetáculo tem seu forte nas figuras femininas, como a bonita interferência musical de Jerusa Castellucci, no Rouxinol, o desenrolar da trama fica prejudicado pela figura frágil do Imperador e pela graça desnecessária do Conselheiro. O primeiro, Cícero Raul, tímido em papel tão importante, e o segundo Paulo Pereira displicente na construção do vilão, que troca a intenção de um texto bem dito pela brincadeira do humor malvado.
O Rouxinol é um espetáculo de produção bem cuidada que, acertados alguns pontos de interpretação, com certeza decola para uma longa carreira nos palcos.
Cotação: 2 estrelas (Bom)