Circo e música – elenco tem boa atuação, mas peca pelo uso repetitivo do chocalho em várias cenas.

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Ricardo Schöpke – Rio de Janeiro – 27.02.2010

Influência da Cultura popular 

Montagem de textos do dramaturgo paraibano remete ao cordel e ao teatro de bonecos

A França tem Moliére. A Itália tem Goldoni. O Brasil felizmente tem Ariano Suassuna, umas das joias raras da dramaturgia popular brasileira. Apesar de sua grande e principal inspiração ser o genuíno homem brasileiro, encontra-se na obra deste mestre a influência do universo das comédias francesas e do gênero italiano da comédia dell’arte. Todas estas são artes que souberam retratar com lente de aumento as principais características do comportamento humano.

O espetáculo O Rico Avarento e Outras Histórias de Ariano Suassuna têm como base a literatura de cordel e as novelas populares. Foi criado a partir de dois textos curtos escritos para o teatro de bonecos: O Rico Avarento e O Homem da Vaca e o Poder da Fortuna. A primeira história tem como protagonista Tira-Teima, um homem simples e desempregado, porém esperto, que consegue trabalho na casa de um velho rico e avarento. No desenrolar da história, vários personagens batem à porta do rico pedindo esmolas e são dispensados por Tira-Teima, que obedece às ordens do rico. Durante a história são ouvidos vários “bodejados” que anunciam a presença do canito chefe – o coisa ruim, aquele que não se diz, ou seja, o popular e velho conhecido diabo – que finalmente aparece e leva o rico avarento para o inferno por castigo, devido a sua mesquinharia. Quando chega a vez do Tira -Teima ser levado também, este se livra do diabo e de seus comparsas provando a força da esperteza e da inocência do homem simples e pobre nordestino.

Característica maniqueísta 

A estrutura da construção deste primeiro texto segue uma narrativa simples e clara, fazendo-se valer também do conto de acumulação que tem como objetivo principal reforçar a ação principal da história. Todos os personagens que aparecem para pedir esmolas e ajuda ao rico avarento, após a sua recusa, rogam-lhe a mesma praga. Isto colabora também para reforçar o jogo teatral e para potencializar o erro. Ficando claro também a característica do homem bom e do homem mau, através de uma visão popular e simplista do homem comum brasileiro, onde apenas estes dois lados são possíveis.

A segunda história, O Homem da Vaca e o Poder da Fortuna é uma adaptação de um folheto de Francisco Sales Areda, de uma peça de teatro para mamulengos e de um romance ibérico, que serviu de base para A Farsa da Boa Preguiça. O protagonista é o poeta e cantador Joaquim Simão, pobre e preguiçoso, que vive com sua mulher e mais 10 filhos num casebre. Por mais que sua esposa peça Simão nega-se a trabalhar, convencendo-a com suas desculpas. Num belo dia, um vaqueiro penalizado pela situação da mulher, presenteia o casal com uma vaca. Joaquim Simão, que detesta o presente, troca à vaca por um burro, o burro por uma cabra, a cabra por um galo e o galo por um pão francês. Um homem rico que presencia as trocas aposta dinheiro com Joaquim, dizendo que sua esposa não vai gostar do resultado das trocas. Joaquim – que bem conhece sua mulher – aceita a aposta e sai vitorioso levando o dinheiro do rico. Finalmente, a partir de uma ironia do destino e da aposta, Joaquim Simão torna-se um homem próspero, dono de uma fazenda chamada Fazenda Homem da Vaca.

A direção de Dudu Gama é bastante correta na tradução do universo do autor. Fazendo-se valer de uma concepção épica, onde os atores assumem a narrativa e desvendam o universo teatral e a caixa cênica para contar com simplicidade duas histórias do imaginário popular brasileiro. Brincando também com o universo dos repentistas na narração da segunda história e com a literatura de cordel. A criação do cenário de Felipe capello, Raquel Penner e Melissa Prado também são corretas, tendo como base três grandes tapadeiras de uso multifuncional, cobertas com chitão florido e muitas fitas penduradas . O palco também é forrado com uma lona em forma circular, para remeter à linguagem circense do picadeiro. Os figurinos, da mesma trinca de criadores, também são adequados, todos confeccionados em tom pastel e terra, acrescidos de adereços coloridos.

A direção de Dudu Gama é correta na concepção épica e na tradução do universo do autor

A música e o canto são executados com correção, ainda que pouco explorados. A percussão incidental é um pouco repetitiva no uso de chocalhos para várias cenas, o que demonstra também a falta de familiaridade no manuseio dos outros instrumentos. A interpretação dos atores também é bastante correta. Todos se fazendo valer de tons farsescos. Destaque para o trabalho da atriz Raquel Penner como Titã-Teima e para o bom trabalho do ator Pedro Maia em todos os seus papéis, e principalmente em sua interpretação engraçada do Pão.