O Grupo, que diz que precisou de “um tapete maior” para uma história mais longa

 

Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 04.02.2006

 

 

 

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Fronteiras sólidas 

O Rei que Ficou Cego é o mais recente espetáculo do grupo Tapetes Contadores de Histórias. Trata-se de um conto popular, e é recontada na peça a versão de Ricardo Azevedo, publicada no livro Armazém de Histórias.

O grupo sempre manteve sua característica de contadores de histórias, que se utilizava sabiamente de elementos diversos, que representavam os personagens. Um tapete era o cenário, onde a história transcorria. Na verdade, o que acontecia era uma ilustração viva da história contada. Mas os contadores agora estão subindo aos palcos. Evidentemente quando se propõe ocupar um teatro, o espetáculo terá que equilibrar as leis que regem um e outro gênero. O narrar que conta e o teatro que mostra. Esta interface na verdade cada vez mais toma conta dos palcos e há inúmeros trabalhos de qualidade, como o que este mesmo grupo vem desenvolvendo há oito anos. No entanto há problemas que precisam ser repensados por estes buscadores de uma nova dramaturgia narrativa – a narrativa oral cênica. Principalmente quando se leva à cena o conto popular, que tem, costumeiramente, sua estrutura formada por núcleos narrativos que se repetem, atendendo, assim, à necessidade de memorização dos ouvintes, na tradição oral e a outras questões.

Neste espetáculo, o conto escolhido tem exatamente essa estrutura – três irmãos que saem um a um do palácio, e cada um, por sua vez, chega uma estalagem; partem em busca de três palácios, enfrentam três rios e assim por diante, até conseguirem levar para o pai a água miraculosa que o curaria da cegueira.

A diretora teatral romena Margaretha Nicolescu, do auge dos seus 50 anos de carreira, diz que Só há teatro, quando conseguimos surpreender o espectador. Eis o impasse entre as duas formas adotadas por O Rei que Ficou Cego. O texto se repete em sua estrutura. No palco, esta repetição, que é característica da narrativa oral, passa a ser um problema, não um elemento de surpresa.

A linguagem usada por Ricardo Azevedo extremamente poética, literariamente trabalhada, cheia de lindas imagens, é bem distante da linguagem popular do conto e da linguagem coloquial do teatro. E aí temos uma outra questão, que é a diferença entre a história escrita e a história contada, o que gera dificuldades de compreensão por seu público-alvo.

Há entre aqueles que contam histórias o consenso de que a criança consegue estar atenta a dez, quinze minutos. No espetáculo anterior do grupo, havia seis histórias com início meio e fim, contadas, no mesmo espaço de tempo deste, que traz que tra uma só história contada, em 45 minutos. A dramaturgia teatral permite que isto aconteça, mas narrativa oral cênica não se pauta por este viés. O próprio grupo aponta para o seu principal problema, quando diz, no material distribuído à imprensa: “Para uma grande história, um tapete maior que a gente”.

No entanto, é inegável a extrema qualidade do trabalho, o cuidado e a beleza plástica do cenário e dos elementos utilizados, a adequação e beleza dos figurinos, a música ao vivo e à capela, com a assinatura de Carlos Eduardo Cinelli e Warley Goulart – que também faz a adaptação e direção.

Finalmente, há a utilização de imagens dentro do espetáculo – sons e sombras abstratas, que tomam um excessivo tempo da apresentação, fazendo com que os objetos percam seu significado simbólico e que a criança volte a vê-los com olhos do real, reconhecendo os objetos utilizados para fazer a sombra e não o significado da sombra.

O problema central do espetáculo é a dificuldade de adequar linguagens, entre elas mesmas e entre elas e o público a que se destina. Pode ser considerado um trabalho sério e cuidadoso de pesquisa que se inicia. E se pode considerar também que o grupo, pelo seu histórico, com certeza levará a bom termo.