O Rei e a Coroa Enfeitiçada: Foto: João Caldas

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 17.10.2014

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Dois reis invadem o palco do Viradalata

Vale a pena fazer programa duplo no teatro de Perdizes para ver O Rei e a Coroa Enfeitiçada e Rei Frouxo, Rei Posto

Dois reis estão ocupando o mesmo trono em São Paulo, em horários diferentes, mas no mesmo palco, o do Teatro Viradalata, em Perdizes. Você e sua família podem fazer programa duplo e conferir duas divertidas histórias, muito bem dirigidas e produzidas. O Rei e a Coroa Enfeitiçada fica em cartaz aos sábados e domingos ao meio-dia. Rei Frouxo, Rei Posto, também aos sábados e domingos, ocupa o teatro no horário das 16 horas. A ideia de que monarcas fracos podem ser manipulados por seus assessores perpassa as duas montagens, ambas com o mesmo trunfo: excelentes trilhas sonoras.

Com direção das irmãs mineiras Cynthia e Débora Falabella, O Rei e a Coroa Enfeitiçada tem texto do pai de ambas, Rogério Falabella, escrito por ele quando nasceu sua primeira neta. De cara, você vai ficar muito entusiasmado com as músicas e as coreografias do espetáculo. Há tempos eu não via uma integração tão perfeita entre música e dança em peça infantil, pois normalmente o quesito coreografia é um pouco desprezado nas fichas técnicas. Na maioria dos casos, as canções são boas, mas os atores reproduzem passos e gestos estereotipados e pobres em criatividade. Aqui, não. Os números musicais (pena que seja playback) são muito bem coreografados. A música ficou a cargo do Trio Pompeia (Tiago Lins, Thiago Guerra e Chuck Hipolitho, na formação guitarra, baixo e bateria) e o coreógrafo e preparador corporal é Kleber Candido. É ver/ouvir para crer.

As diretoras não deixam cair o ritmo da fábula, mantendo o interesse da plateia o tempo todo, com cenas curtas, ágeis e bem interpretadas. Elas orquestram um ótimo elenco de oito atores, em que se destacam, a meu ver, os coadjuvantes Fafá Rennó (alternando-se divertidamente entre Rainha e Bruxa) e Gustavo Haddad (como Augusto, um peão hilário, metido a galã). Na trama, o irmão do rei, o afetado Duque de Urticária (Henrique Carsalade), quer o poder para si e, para tal, lança mão da coroa enfeitiçada do título da peça: quando o bondoso rei (Ivan Capua) a colocar na cabeça, ele vai mudar completamente de personalidade, transformando-se em louco-carrasco. Esses objetos dotados de poderes mágicos são – e sempre foram – fortes elementos para estimular a fantasia dos leitores de contos de fadas, ao longo dos séculos e atravessando gerações. Ponto para o dramaturgo Rogério Falabella, que tão bem soube explorar esse clássico recurso fabular.

Vale destacar o trabalho de Fábio Namatame, como cenógrafo e figurinista. O ambiente do castelo é clássico, colorido e rico em detalhes. No figurino de concepção mais livre e brincalhona, destaque para o casaco “em camadas” do irmão vilão, o Duque. E também é muito bem realizada a concepção visual do cavalo que entra em cena (Nalin Junior e Pedro Bacellar são os atores, por baixo da fantasia).

O tom de Rei Frouxo, Rei Posto, nas sessões vespertinas, é mais político e, por isso, indicado para uma faixa etária um pouco mais avançada do que a da peça anterior. Estreia na direção do veterano e premiado ator Ando Camargo (vencedor do APCA e finalista do Femsa por Era Uma Vez Um Rio, o espetáculo é, a meu ver, altamente recomendado para escolas, sobretudo neste momento em que o País está polarizado para o segundo turno das eleições presidenciais. A dramaturgia de Perito Monteiro aqui não é das melhores, deixando brechas que poderiam ser mais aprofundadas e, por isso, perdendo um pouco em contundência. Mas a montagem esperta encobre essa deficiência do texto com recursos criativos da direção e, sobretudo, com a mão firme do diretor musical Bruno Elisabetsky (ao vivo em cena, com seu violão). A trilha é formada basicamente por encantadoras marchinhas do carnaval de antigamente, mas também há composições próprias.

O rei prefere ficar sentado em seu pufe em vez de reinar, enquanto seus conselheiros só pensam em enriquecer e roubar – e o povo insatisfeito cobra por melhorias. Como se vê, o tema é bem atual e pode inspirar debates bastante interessantes em sala de aula. Temos falta de espetáculos assim, voltados para o público adolescente e com temas candentes da atualidade. Eis o mérito maior de Rei Frouxo, Rei Posto. No papel do rei, está o próprio diretor, Ando Camargo, que, entretanto, por generosidade a seu elenco, vira um mero coadjuvante, escanteado em cena na maior parte da peça, para que os outros atores ganhem destaque. Entre eles, no papel do Bobo da Corte que não quer ser um mero boneco do poder, está Ricardo Monastero, em excelente composição, valorizada por um belo trabalho corporal e muita ginga de malandro, ‘abrasileirando’ o personagem de forma acertada. Jaqueline Lima, morena lindíssima, portando elegantemente um belo vestido com motivos geométricos, é outra figura luminosa em cena. Aliás, os figurinos de Kiki Orona também merecem menção, pois fogem do óbvio e brincam com as cores fortes. Ah, e fique atento aos belos painéis do cenário, inspirados em Bruegel.

É isso. Temos, assim, dois reis que merecem sua visita em breve, antes que seus ministros ou seus familiares os destronem de vez. Vamos ao teatro?

Serviço

Teatro Viradalata. Rua Apinajés, 1387. Perdizes
Telefone – 11 3868-2535

O Rei e a Coroa Enfeitiçada

Sábados e domingos, às 12h (meio dia)
A partir de 15 de novembro, muda para o horário das 16h
Ingressos a R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia)
Até 30.11

Rei Frouxo, Rei Posto
Sábados e domingos, às 16h
Ingressos a R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia entrada)
Até 09.11