Augusto Pessoa, como Boréia Amador, Andrea Bacellar, a menina e Rodrigo Lima, o rei

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 16.08.2003

 

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O Rei Doente do Mal de Amores: Peça promove o encontro das crianças urbanas com o folclore

Bela encenação de um conto popular

Quando o espectador é muito sensível à qualidade dos espetáculos que vê, corre o risco de, algumas vezes, sair mal-humorado do teatro. Mas, felizmente, é possível que o contrário aconteça também. Como no caso de O Rei Doente do Mal de Amores, em cartaz no Teatro SESI. A peça, uma adaptação de Augusto Pessôa para o conto popular homônimo do folclorista Silvio Romero, dirigida por Rubens Lima Júnior, tem o dom de deixar o público feliz.

A ação se desenrola a partir da chegada de um contador de histórias, Boréia Amador, a uma feira de artesanato de uma pequena cidade do interior. Os feirantes insistem para que ele conte uma história e, à medida que ele começa a contação, os objetos vendidos na feira transformam-se em elementos do cenário e do figurino. Utilizando essas peças, os atores assumem seus personagens.

Um elenco afinado numa peça cheia de reviravoltas

A história da peça não é muito simples. Pelo contrário, é cheia de reviravoltas: um casal de velhos, sem filhos, encontra um bebê na estrada. Os dois caem de amor pela menina e decidem levá-la para ca­sa. Para que ninguém descubra o que fizeram – ou seja, o rapto – trancam a pequenina num quarto sem janela e ensinam tudo a ela.

E, apesar de não faltar amor à criança, ela sente vontade de ver o mundo ao crescer. Aproveitando uma saída dos pais, a jovem tira uma telhado teto e descobre o azul do céu, que a convida a sair daquela prisão, que nem ela sabia se chamar assim. Depois da descoberta da natureza, a jovem dá curtas escapadas de seu quartinho e numa delas encontra um belo rei, descobrindo então o que é o amor. E o resultado da paixão é um bebê. Só que, até os dois apaixonados ficarem jun­tos, muita água rola embaixo da ponte.

O elenco, formado por cinco atores tem atuação afinadíssima. O autor, Augusto Pessôa, que vive o contador de histórias, está completamente à vontade em cena. Gustavo Maranhão (velho, feirante e mago) e Simone Beghinni (velha, feirante e mago) têm uma química perfeita em cena e arrancam boas gargalhadas da plateia. Andrea Bacellar (menina e feirante), apesar de ter uma voz pequena ao cantar, é bem afinadinha e está perfeita vivendo a menina nas diferentes fases da vida. Rodrigo Lima (feirante e rei), além de ser dono de uma bela voz, diverte o público em todas as suas aparições.

O cenário, de Renato Marques e Augusto Pessôa, e o figurino, só deste último, também se destacam no espetáculo. As cenas em que os atores criam o céu, o sol e as nuvens, assim como a que eles montam o jardim, com suas enormes e coloridas flores de papel, são de uma poesia comovente. A trilha sonora, que reúne dez músicas, com letras de Augusto Pessôa e melodias de Rodrigo Lima, é tocada e cantada ao vivo pelos atores, o que só enriquece o espetáculo. E Nelly Laport, responsável pela preparação corporal, consegue o rendimento máximo dos atores em cena.

O prazeroso encontro com a cultura popular brasileira

Além de tudo que já foi dito, chama especial atenção no espetáculo as ideias, muito bem realizadas, de transformar as mercadorias da feira em ele­mentos da cena, e de promover a transformação dos atores, ora em feirantes, ora em personagens da história que está sendo contada. É muito interessante para as crianças descobrir o teatro dentro do teatro – o que acontece quando todas as mudanças cênicas acontecem propositalmente na frente do público, sem truques. A peça tem ainda o mérito, de promover o prazeroso encontro das crianças urbanas com o rico universo da cultura popular brasileira, com suas cores vivas e seus personagens e expressões característicos.

Se tudo corre bem no espetáculo, é sinal de que o diretor realizou muito bem o seu trabalho. Depois do sucesso de sua última peça, Maria Borralheira, certamente foi grande a responsabilidade de Rubens Lima Júnior ao dirigir O Rei Doente do Mal de Amores. Mas ele está de parabéns, pois conseguiu conceber um espetáculo que tem tantas qualidades quanto o anterior.