Matéria publicada no Jornal do Brasil, Caderno B
Por Eliana Yunes – Rio de Janeiro – 09.05.1987
O Reencontro com o Imaginário
Lá estava ele, atento, lendo os quadros expostos em duas salas, na entrada do Paço Imperial: Alejandro Aguilar, 7 anos, filho de venezuelanos bolsistas no Rio, já no final da tarde, depois da escola, percorria a exposição Os inumeráveis estados do ser. Lia e respondia com seus comentários, quase nenhuma análise, muita réplica diante das imagens que acordavam nele seus próprios traços, num diálogo de imaginários.
Na verdade, esta é uma exposição indispensável para quem procura cultivar o olhar da nova geração: dos traços de criaturas humanas marginalizadas, surpreendentemente desponta a genialidade no dizer de Ferreira Gullar. São os
Van Gogh nacionais trazidos por Nise da Silveira, do Museu Imagens do Inconsciente, que exibem a extraordinária riqueza de suas cores e formas, arte sem dúvida, inteiramente poética. Aliás, Freud já falava no parentesco, pela
linguagem do inconsciente, entre crianças, poetas e primitivos: todos um pouco loucos aos olhos desta sociedade duramente racionalista e pragmática.
Vale a pena parar diante das geometrias de pequeno engenheiro de Carlos Pertuis, que pela construção estável induz ao equilíbrio das emoções: ele mesmo tem uma preciosa série mítica em torno do Sol, culminando em sua barca, em que
muitas crianças se reencontrarão. As aquarelas de Isaac Liberato que em nada lembram esquizofrenia, ao contrário, preciosas alquimias de cores suaves e tensas, buscando na abstração uma imagem de mundo.
É grande o interesse pela série de mandalas, desenhos circulares que reestruturam magicamente o mundo, outra figura em que as crianças se detêm, atentas: as minúcias as encantam. Fernando Diniz é uma profusão de imagens que
envereda por elas, depois das “japonesas” que lembram delicadamente o Oriente e antes de saltar para paisagens quase impressionistas pela riqueza de sombras e luzes: outras quase expressionistas em sua “montagem difícil”, mas
perfeitamente lógicas aos olhos da infância.
Mas há também Raphael Domingues com figuras humanas e naturezas mortas em linhas quase infantis, ritmo que não se limita ao plano visto e liga imaginário e realidade.
Não deixe de ver as expressões de Emygdio de Barros tão próprias de fases psicanalíticas da infância, onde os espaços internos e externos, o eu e o outro se mesclam. Os adultos contemplam, surpresos, obras de arte; as crianças
reencontram sua linguagem, mais imagem que verbo, mais inconsciente que consciente.
Para os que duvidam, a seleção de obras foi feita por Ana Letícia e Ferreira Gullar, e Mário Pedrosa avaliza a qualidade artística da produção. Vídeos, alguns enfocando as diversas faces da exportação serão mostrados, aos sábados e
domingos, entre 11 e 19 horas, quando o espaço está aberto ao público.