Crítica publicada em O Globo
Por Sheila Kaplan – Rio de Janeiro – 24.12.1982

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No mundo de Maria Clara, um “rapto” perfeito

Com a montagem de O Rapto das Cebolinhas, no Teatro Tablado, Maria Clara Machado, autora e diretora da peça, comprova ser insuperável em termos de competência. Sob a sua direção segura e impecável, a trama originalmente simples do texto escrito em 1953, o roubo das cebolinhas do Coronel pelo Camaleão Alface, personagem que, para encobrir sua falta, se disfarça de detetive, ganha definitivamente os contornos de um clássico, posição que a peça de fato ocupa na dramaturgia infantil nacional. Tudo funciona com perfeição: da eficiente trilha sonora e bom desempenho do elenco aos cenários e figurinos de Kalma Murtinho, quase didáticos em sua simplicidade.

Como talvez em nenhum outro espetáculo da temporada, o público infantil acompanha atentamente, do princípio ao fim, a ação que se desenvolve no palco do Tablado. Em parte, porque, o que raramente ocorre nas outras peças em cartaz, consegue entender todas as falas dos personagens, como resultado da valorização do texto que é ponto de partida da diretora. Maria Clara acredita ser importante desenvolver na criança a capacidade de ouvir e entender uma história. Em diversas cenas, inclusive, os atores, atropelados por berros de excitação, fazem sinais para que as crianças fiquem quietas, participando apenas em silêncio com a sua atenção, também uma forma de participação ativa, como mostra a diretora.

O suspense contido no texto é também responsável pelo interesse do público, mas é principalmente o senso de justiça, implícito e habilmente presente no desenrolar da ação, que de imediato contagia a plateia. Pois, desde o início, conduzidos pela personalidade autoritária atribuída ao Camaleão Alface, autoritarismo bem dosado pelo ator Jorge Guinhos, que, embora ameace em determinados momentos, não chega a cair numa composição maniqueísta, as crianças têm o detetive como o maior suspeito do roubo, identificando-se assim com Maneco e Lúcia, os personagens infantis. O clímax não se dá, então, com a descoberta do autor do roubo, mas com o reconhecimento formalizado e a consequente punição do ladrão, simbolizando o triunfo da justiça.

Maria Clara, certamente, não pode ser apontada como uma diretora ousada, o atual Rapto, como ela mesma diz, apresenta pouquíssimas inovações em relação à sua primeira montagem, em 1954, e não se destaca pela sua inventividade. Isso, no entanto, não lhe pode ser atribuído como uma falha. Afinal, ao contrário de boa parte de seus seguidores tabladianos, aos quais soma-se à falta de ousadia e pouca experiência teatral, a diretora não tem motivos para mudar uma fórmula que, por sua competência, sempre alcança o melhor resultado junto ao público, a tal história de que não se mexe em time que está ganhando.