Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 22.10.2005
Thriller para crianças
Clássico de Maria Clara, O Rapto das Cebolinhas volta ao Tablado
Clássico de Maria Clara Machado escrito em 1953, O Rapto das Cebolinhas acaba de se remontado por O Tablado, com direção de Cacá Mourthé. A dramaturgia do espetáculo evoca as montagens simples e competentes do grupo, conduzidas ao longo de décadas por Maria Clara. Para conseguir esse resultado, Cacá buscou os desenhos dos figurinos em antigos croquis do já falecido Carlos Wilson “Damião”, fazendo, assim, uma homenagem ao artista. A trilha sonora, assinada por Jansen Barreto e Rubens Camelo, também celebra, in memoriam, Toninho Lopes.
Diferentemente dos outros clássicos de Maria Clara que Cacá Mourthé tem encenado, aos quais sempre imprime sua marca autoral, em O Rapto das cebolinhas a diretora optou por fazer de fato um trabalho de memória. E o que se tem é um resgate do mais puro teatro amador – no melhor de seus sentidos – aquele que Maria Clara Machado defendia. Resgate feito num momento propício, quando se repensa o teatro para crianças.
E Cacá vai além, criando, em frente ao prédio do Tablado, um “sítio” onde as crianças andam em carrinhos puxados por bodes, alimentam coelhos, tartarugas – uma vivência importante de sensibilização, que se complementa dentro do teatro.
– Só assim, com esse retorno ao que há de mais puro e natural, podemos competir com os shoppings – diz Cacá.
A história, simples mas muito bem construída, é a do misterioso rapto das raras cebolinhas-da-índia, que provocam efeitos miraculosos de rejuvenescimento em quem toma de seu chá. Logo após o roubo, aparece um novo vizinho, que se diz detetive e se propõe a descobrir o ladrão. Depois de várias peripécias, este é descoberto e tudo volta à calma no sítio.
Esse thriller infantil, encenado em diversos países da Europa e da América Latina, desde sua estreia, em 1954, se destaca pelo suspense. Paradigma de carpintaria teatral excepcionalmente bem-feito, o espetáculo provoca as crianças, que, de forma totalmente espontânea, tomam partido contra o vilão. Quando o ator que faz o antagonista volta à cena para os agradecimentos, a plateia o vaia.
O cenário, idealizado também por Cacá, traz um tradicional telão com pintura de arte feita por Alan Castilho, que recria a imagem do sítio onde vive o avô, personagem construído com humor pelo veterano Pedro Farah, com quem as crianças imediatamente criam forte empatia.
Isabel Camero e George Fauma fazem, com espontaneidade, os netos, com os quais o público-mirim se identifica. O universo do sítio se completa com os bichos: um engraçado cachorro feito por William Guimarães, que se vale de seu típico físico para criar uma divertida composição; uma delicada gata feita com graça pela atriz Diana Herzog; e um cavalo, interpretado por André Dale. Saulo Arcoverde encarna o médico. Através dos movimentos e dos sons característicos dos animais que representam, fazem-se entender pelo público, principalmente pelo preciso trabalho de movimento assinado por Johayne Idelfonso.
O vilão é vivido pelo ator Marcius Melhem, com muito humor e forte presença cênica. A luz de Renato Machado opta por realçar com foco precisos os elementos cênicos mais marcantes, criando também o clima de mistério que perpassa o espetáculo. É teatro infantil de qualidade.