Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 27.08.1977
O Príncipe leva um beijo e se transforma em sapo
A ideia é absolutamente simples: a ampliação, para um palco-plateia, desse comum e conhecidíssimo jogo de dados onde ganha quem chega primeiro ao final; e onde os concorrentes têm de se adaptar e reagir às várias surpresas trazidas pelos números, aos diversos imprevistos da vida. Se a ideia é simples, a forma de passá-la também o é. Na entrada, da Escola de Artes Visuais (Parque Lage) cada espectador (criança e adulto) ganha uma fita vermelha, azul ou laranja. Ao chegar à sala de espetáculos o público é recebido pela música ao vivo, responsável pela criação de um clima charmoso. O apresentador explica como o jogo vai se desenvolver, mostra o Príncipe e as três Princesas, (Bonecos) e começa a jogar os dados. A partir daí, todos os espectadores passam a participar vivamente da ação (e do jogo), pois cada fita colorida corresponde a uma das Princesas – as quais lutam para conquistar o amor do Príncipe.
Como é um jogo, não há repetição das ações, como não há um final fixo. Cada dia é um novo acontecimento.
Fator de grande interesse é, também, a integração dos adultos na brincadeira. Pais e filhos, de repente, estão brincando juntos, de repente, estão brincando juntos. Isso, além de estimular momentos de intimidade, apresenta ainda um outro elemento positivo; relembra a certos adultos que há, dentro deles, uma parte lúdica, que está adormecida. E felizmente apenas adormecida; nunca morta.
Durante sua caminhada para chegar ao número 33, às três Princesas – Bendita, Maledita e Medianita, a indecisa vão conhecendo, juntamente com o público, os novos personagens; o advogado do divórcio, a velha do chá, a tia que veio de Minas dar conselhos, a bruxa, a bota mágica etc. Isso permite que a ação não se torne monótona pela simples repetição de jogar os dados. Os imprevistos trazidos pelos números tirados vão determinando uma dinâmica bem particular ao jogo, com diversas trocas de posição entre as concorrentes. E, ao final, há a grande piada da peça, quando, desmentido toda a tradição das histórias clássicas, o Príncipe, ao levar um beijo da vencedora, vira imediatamente um sapo. Os bonecos de Raquel Ribas são bem interessantes apesar de não causarem o mesmo deslumbrante de seus bonecos gigantes das montagens anteriores dos Contadores de Estórias.
Nesta montagem a pergunta direta às crianças ganha um sentido; a gritaria se processa como num jogo; e as respostas têm influência decisiva no desenvolvimento da ação.
A lamentar, apenas, que o espetáculo acabe, mesmo numa brincadeira, propondo uma ideia bastante deformada de uma relação afetiva, quando estabelece que o vencedor do jogo terá o coração do Príncipe. Afinal, esse Príncipe, mesmo sendo um sapo, não tem vontade própria? A relação afetiva e unilateral? E depende tanto assim da sorte? Ou do crescimento e disponibilidade de troca existente entre aqueles que se amam?