Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 13.02.1977

Barra

O Planeta Azul

Os equívocos de O Planeta Azul têm de ser localizados a partir de um texto confuso (no nível das ideias como no da própria carpintaria) e de uma direção que não soube superar essas falhas. A impressão inicial é positivamente agradável, uma peça bem montada, um elenco correto, muito cuidado com cenários e figurinos – enfim, um trabalho limpo. Entretanto, com o desenrolar da trama, vai se percebendo que todos os bons achados do início não são eficazmente explorados, a trama não se desenvolve e se estabelece uma grande confusão no qual se refere à participação de cada personagem: uma hora, o Ministro é inimigo; logo depois é visto auxiliando a fada e o bruxo. Uma hora, o bruxo e a fada são inimigos; logo depois, estão trabalhando unidos, com o mesmo objetivos. Toda a fantasia proposta (surdez, cegueira, bruxaria e etc) é mal explicada, o que permite que a plateia misture muito as informações e conclua pouco. Além do mais – e esse é o item que parece mais grave – o texto de Mário Bruni começa mostrando que pretende mexer com alguns padrões mais do que estabelecidos da dramaturgia infantil; a peça começa a propor novas posturas ao fazer com que bruxa e fada troquem de papéis; e mostra logo uma intenção de trabalhar com a consciência crítica da plateia ao procurar estabelecer relações dinâmicas, autênticas e enriquecedoras entre o novo e a família real. Há inclusive, uma fala muito significativa de um personagem do povo: “O culpado é o Ministro que diz que só os ricos têm direito de serem felizes”. A partir daí o autor começa a mostrar um sentido de justiça e igualdade social, manobrando seus cordéis para que o príncipe se case com uma jovem pobre. Entretanto, quando a peça chega ao seu final, o autor cem e nos diz claramente: “olha, pessoal, o ministro tinha razão: Só os ricos têm direito à felicidade. Essa jovem que vocês pensavam ser uma camponesa e, na realidade uma princesa disfarçada. Só princesa tem o direito de conquistar o coração de um príncipe. E essa voz lúcida da velha também não é uma voz do povo. Como é que o povo poderia ter tanta consciência crítica assim? Essa velha é uma rainha disfarçada”.

Enfim, fechou-se o ciclo; a lucidez, a riqueza, a beleza e a felicidade só podem ser usufruídas pelos ricos. A peça então, segue as tendências mais conservadoras da literatura infantil, apresentando a fada boa, bela, loura e de voz doce; e um bruxo mau, feio, torto e de voz desagradável. De nada adiantou a possibilidade, de abertura que parecia proposta no início, quando fada e bruxo trocaram de papéis. Na realidade, segundo Mario Bruni, as coisas estão estratificadas, estáticas, cristalizadas, definitivas. E deverão permanecer assim.

A direção de Paulo Ramos consegue conciliar um pouco no campo visual, onde é bem assessorada por Célia Ramos (figurinos) e Osmar Pereira (cenários). O primeiro ato começa bem, com marcas inteligentes e engraçadas e o espetáculo resiste exatamente à medida em que o texto permanece de pé. Quando a peça começa a capengar, a montagem capenga junto. O segundo ato é totalmente descosido, não evolui, é repleto de cenas gratuitas. O elenco, que conta com Marcelo Becker (soldado) e Ione Catambry (Fada) – os dois que dão melhor conta do recado -, é formado ainda por Newton Zimmer (Rei), Rogério Schuback (Príncipe), Paulo Ramos (Bruxo), Rossana Pena (Velha), Lina Rosana (Moça) e Darlém Fraia (Ministro). Os atores desenvolvem um trabalho homogêneo, excetuando-se Darlém Fraia, uma linha apenas exteriorizada e totalmente falsa; e excetuando-se também os detalhes das vozes desnecessariamente desagradáveis da Velha e do Bruxo.

O Planeta Azul, de Mário Bruni, em cartaz no Gláucio Gill, com direção de Paulo Ramos, é uma montagem bem cuidada, mas que não consegue compensar as deficiências de um texto inicialmente interessante e que se transforma em algo confuso, incoerente e fechado.