Critica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 04.03.2016
Pequeno Príncipe volta ao teatro com leveza e poesia
Montagem paulistana de Tony Giusti arrebata pelo inusitado, pela criatividade e pela delicadeza
De tempos em tempos, infelizmente com uma frequência menor do que eu gostaria, uma montagem de peça para crianças me desconcerta, a ponto de influir na objetividade que todos esperam de minha condição de “crítico”. São peças que me arrebatam e me deixam em um estado de encantamento mudo, um inebriamento zonzo e imediato, um certo flutuar por entre as nuvens do sublime. Coisas que só o teatro pode fazer por alguém, acho eu. E, então, ao começar a escrever sobre o que vi, tento seguir por outras vias que não sejam as de uma análise formal e técnica, buscando atalhos impregnados de sensações, mais do que tudo.
Quero tentar falar assim da magnífica versão de O Pequeno Príncipe, em cartaz no Top Teatro, em São Paulo, pois ela me “cativou”. O responsável: o chamado Nosso Grupo de Teatro, capitaneado por Tony Giusti. Acompanho há tempos as montagens sempre atraentes dessa companhia e me lembro de já ter saído assim arrebatado de pelo menos três delas: em 2003, com o texto inteligente de A Alma Sem Menino; em 2008, no poético jogo de palavras de O Jardim dos Duendes, e em 2013, na versão nada infantilizada de O Patinho Feio.
Agora, também adaptando de forma bastante inusitada e nada linear o clássico de Antoine de Saint Exupéry, Tony Giusti volta a nos brindar com teatro da melhor qualidade, feito com muito rigor e incrível criatividade. Sua direção é precisa, delicada, harmoniosa. Nos transporta para um ritmo de sonho, às vezes desconexo, às vezes hipnotizante, às vezes simplesmente belo. O espetáculo transmite o tempo todo a segurança de que tudo ali foi muito bem pensado, desenhado, arquitetado – mas com material evanescente. Como uma sucessão de belas imagens enevoadas, de lindos diálogos poéticos, de canções ternas e pontuais. Fiquei com a exata sensação de presenciar uma dramaturgia sendo tecida lentamente, laço por laço, bordado por bordado, prega por prega. Fernando Azevedo, no design de luz, contribui para a poesia climática que nos acolhe e nos abraça na plateia.
As frases mais conhecidas do Pequeno Príncipe estão todas lá, como: “Só se vê bem com o coração, pois o essencial é invisível aos olhos.” Ou: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.” Porém, elas não pesam, não se sobressaem. Fluem na narrativa como se estivessem sendo ditas pela primeira vez e como se não carregassem em si toda a carga de significados que elas acumularam com o sucesso mundial do livro. Mais um ponto para o adaptador Tony Giusti. O momento mais nonsense é o programa de auditório apresentado pelo Sol, que terá o principezinho como entrevistado. É um oásis de diversão e descontração, que acaba por valorizar ainda mais a linguagem simbólica e alegórica que permeia todo o espetáculo.
O diretor/adaptador teve a seu favor um elenco impecável, que soube entender a sua proposta. São eles: Artur Henrique, Marília Grampa, Rafael Anastasi e Rogério Nóbrega. Todos demonstram pleno domínio vocal, clareza de dicção, economia de gestos, precisão em cada olhar. Os momentos narrados são primorosos, no tom certo de memorialismo que brota do coração. E são atores que cantam bem afinados e com emoção a trilha original criada por Lucas Vasconcelos. Não posso deixar de citar também o bom gosto de Tony Giusti ao assinar figurinos elegantes, retrôs, de cores suaves e excelente caimento nos corpos em ação de todo o elenco. Inteligentemente, ele foge do conhecido casaco e da coroa do pequeno príncipe. E para todos os personagens, como a rosa, o baobá, a raposa, o sol, o contador de estrelas, ele criou chapéus repletos de informação, ou seja, as características de cada personagem estão basicamente concentradas nos chapéus que os atores usam durante o espetáculo. Uma simplicidade luxuosa, uma criatividade transbordante. O Pequeno Príncipe, de Tony Giusti, entra para a galeria de delicadezas do teatro brasileiro.
Serviço
Top Teatro. Rua Rui Barbosa, 201, Bela Vista
Tel. 11 2309-4102
Sábados e domingos às 16h e segundas às 21h
Ingressos a R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia)
Até 27 de março