Crítica Publicada no Jornal do Brasil
Por Eliana Yunes – Rio de Janeiro – 24.01.1987

 

De Grão em Grão, o Teatro Faz o Verão

O Rio infantil não poderia ter tido presente maior neste verão que assistir à montagem de O Pequenino Grão de Areia, de João Falcão, trazido de Recife pelo Teatro Feliz-Meu-Bem, depois dos prêmios que vem acumulando em festivais nacionais, desde 1983.

O nome não é mera coincidência: o texto se inspira na célebre canção da música popular brasileira, que na voz de Dalva de Oliveira se tornou um marco. Como bom leitor, João Falcão pôs recheio nas entrelinhas, extrapolou, traduziu e não traiu – lá está inteirinho, o pequenino grão de areia apaixonado por uma estrela distante. É esse romance, numa linguagem extremamente bem cuidada, poética e musical, que está no Villa-Lobos, em curtíssima temporada. Ainda bem que em março cruza e baía e ainda fica no teatro da UFF, em Niterói, ampliando as possibilidades de o público assisti-lo.

A história fala dos muitos grãos de areia, um só não faz verão, cada um com seu particular: um que chora, outro que ri, um sabichão, outro só queixas, um que faz circo, outro raivoso, exatamente como as muitas faces da infância. Mas o encanto vem com o grão sonhador, apaixonado pelo impossível. Ou quase: o amor sai à procura de seus caminhos, primeiro construindo castelos de areia que uma onda menina faz questão de desmanchar; depois são castelos no ar, por conta de nuvens tão volúveis, tão voláteis que no seu jogo de formas fazem rir, e pelas inconsistentes promessas fazem chorar o pobre grão sonhador.

Tentando ser prático, ele se propõe a trocar belos sonhos por boas ideias. Mas o plano da realidade não viabiliza seus sonhos. Só outro sonhador, mais velho e experiente, lembra que a natureza é a única a ter a necessária coragem para cantar a impossível união do céu e do mar. Até que a onda retorne, por ordem da natureza, para levar o apaixonado ao fundo das águas, onde uma estrela decidiu cair certa noite. Da praia os amigos assistem à queda da estrela e podem imaginar o encontro. A canção, de Marino Pinto, diz que, por amor, “pouco depois apareceu a estrela do mar”.

Entre os atores, destaque para Mônica Feijó, onda caprichosa e grão risonho, que cativa tanto quanto a estrela do sonho, esta que apenas fulgura em sua queda mágica.