Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 05.03.1977

Barra

O Patinho Feio do Teatro de Bolso

O Patinho Feio é um ótimo material de trabalho para o teatro levar as crianças a refletir sobre uma sociedade discriminatória em relação aos negros, aos velhos, aos judeus, às crianças aos pobres e até – mas não principalmente – àqueles fisicamente classificados de feios pelos nossos padrões absurdamente antissociais. No caso da adaptação feita por Aurimar Rocha, a informação clara passada às crianças é apenas a discriminação ao feio e não a discriminação mais ampla de qualquer minoria. O texto não se preocupa em desenvolver a ideia; ele não analisa o problema, apenas cita.

Além disso, o autor coloca na boca de seus personagens certas frases discutíveis e perigosas. Algumas vezes, tais pensamentos são negados logo depois, mas a ênfase dada a afirmativa é sempre maior que a ênfase contida na sua negação. Quando o Gato afirma que seus pais (dele, Gato) tiveram toda razão ao expulsá-lo de casa porque ele não estudava e passava o dia inteiro vendo televisão, isso fica muito mais gravado na mente infantil do que a posterior frase com intenções construtivas dita por outro personagem: Mas isso não está certo. Há outras frases assim, como a do pai que justifica suas surras nos filhos dizendo que quando bato, sofro mais do que vocês…

Os cenários e os figurinos de Fábio Rocha em momento algum auxiliam a passar melhor este texto. Pelo contrário. A combinação de cores, o feitio das roupas, a forma de certos adereços (os cisnes do final, por exemplo) – tudo isso resulta num contexto visual profundamente desagradável.

Entretanto, o resultado final é razoável. E por quê? Porque Aurimar Rocha soube ter uma visão muito segura e de muita dinâmica, permitindo que diversas vezes a ação se tornasse mais evidente para a plateia, do que certos equívocos do texto. E, para que pudesse imprimir tal firmeza ao seu trabalho, segura como deveria correr seu espetáculo. O diretor conferiu, a sua montagem, um ritmo muito ágil de muita dinâmica, permitindo que diversas vezes a ação se tornasse mais evidente, para a plateia, do que certos equívocos do texto. E, para que pudesse imprimir tal firmeza ao seu trabalho. Aurimar Rocha dependia da qualidade de seu elenco. Foi aí que a montagem pôde se segurar, Fábio Rocha (Patinho). Vivian Rocha (Loló), Simone Carvalho (Quem-quem). Olegário de Holanda (Gato), Florizete Santos (Mãe) e Eduardo Corrêa (Pai) apresentam um trabalho homogêneo, com clareza na definição de seus personagens e são os maiores responsáveis pelo fato deste patinho “nadar direito”. Se o espetáculo não chega a se transformar em cisne é, pelo menos, bem visível, que o patinho não permanece eternamente feio.

Um reparo importante: o espetáculo de Aurimar Rocha, sem qualquer necessidade para o seu desenvolvimento, usa de uma farsa extremamente tola para enganar a plateia. Os atores pedem às crianças que subam ao palco para escolher o nome do patinho, que acabou de nascer. Lá em cima, o público infantil, na expectativa de ser responsável pelo nome do personagem principal e por ser o responsável, também pela continuação da história, ouve uma das atrizes dizer disfarçadamente para uma das crianças: “Fala Juquinha”. Inicialmente, isso é um desrespeito às crianças que vão ao palco, iludidas por um jogo de cartas já marcadas. Depois, há o fator teatral propriamente dito: a peça poderia prosseguir normalmente, qual fosse o nome do personagem. Mas nisso tudo, fica muito claro para mim que o pior não está na atitude do espetáculo criando um engodo para a plateia infantil. Para mim, pior, mas muito pior, é o fato bastante sintomático de ver que a criança pressionada a dizer Juquinha nem se rebela (desmascarando o jogo) como ainda participa dele passivamente. Que espécie de adultos estamos formando?