Flavia Fernandes e Fernando Sant’Anna: final feliz para o Sapo junto à Saracura é a única mudança na história original de Braguinha

Matéria publicada no O Globo
Por Mànya Millen – Rio de Janeiro – 09.10.1998

As Arapongas Cacala, Mariana Leporace e Carla Andrea (com um adereço azul) e o Urubu Flávio Bauraqui

Karen Acioly ao centro, com os sapinhos Ciro, à esquerda; Alice, atrás; Bruno, de vermelho e Mateus

O Paraíso de Braguinha

Hora de Brincar: A peça Festa no Céu, dirigida por Karen Acioly, abre as comemorações pelo Dia da Criança que se espalham pela cidade

A paixão é antiga. Vem desde os tempos em que Karen Acioly era apenas uma garotinha e, como centenas de crianças de sua geração, se deliciava ouvindo as aventuras de Chapeuzinho Vermelho, da Cigarra e dos Três Porquinhos em disquinhos coloridos, azul, verde ou rosa. O tempo passou e Karen, já consagrada diretora de teatro, decidiu transformar sua paixão por Braguinha, o autor das histórias daqueles discos, numa bela homenagem. A empreitada, que começou este ano com A História da Baratinha, prossegue com a chegada de Festa no Céu amanhã, no Centro Cultural Light, a principal estreia deste fim de semana recheado de atrações para a garotada. O RioShow traz nas próximas páginas um roteiro de programas, que vão de hoje a segunda-feira, feriado e Dia da Criança.

– Braguinha faz parte da nossa história musical e é absolutamente importante que ele seja parte da nossa história teatral – entende Karen.

A diretora, que já havia homenageado seu ídolo no início do ano em outro espetáculo, Viva o Zé Pereira, todo costurado com as famosas marchinhas de carnaval do compositor, preferiu evidenciar em Festa no Céu um Braguinha mais lírico.

Por isso, o Mestre Sapo vivido por Fernando Sant’Anna vai ao céu e continua a se esborrachar na descida, mas encontra um final feliz nos braços de uma ave, a Saracura, Flávia Fernandes, cantora lírica que integra o coro do Teatro Municipal do Rio. Além das músicas do disquinho, Karen incluiu na peça canções da fase romântica de Braguinha, como Quebranto, e Olhos Fatais, além de A Lenda dos Tangarás, instrumental, que pontua as cenas mais dramáticas.

Com exceção de Fernando, presente nos três espetáculos anteriores de Karen, e também autor do teatro de sombras e marionetes usados na peça, o elenco foi escolhido por testes. Testes que tinham que combinar atuação com dotes vocais, já que a música é a grande estrela no palco.

As Arapongas Sara, Sarita e Sarinha são vividas por Cacala, Mariana Leporace, ambas do grupo vocal Maite-Tchu; e Carla Andrea, do Divinas Palavras. O Urubu-Rei, que dá carona ao Sapo até o céu, ganha a voz de Flávio Bauraqui, do grupo Forrobodó. Já os quatro alunos sapinhos são vividos pelas crianças Ciro Nogueira, Bruno e Mateus Góes, Alice Casé e Felipe Bley, responsáveis por parte das muitas coreografias aéreas da peça.

A pianista Maria Teresa Madeira responde pela direção musical e é também a narradora da peça, que tem, além dela, dois músicos em cena, David Ganc e Oscar Bolão. Fernando Sant’Anna é também o autor do cenário, Ney Madeira assina os figurinos e Paulinho Medeiros, a iluminação.

Um Compositor Apaixonado por Histórias Infantis

Karen Acioly tem razão: Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha, sempre gostou mesmo de pássaros. Em 1929, ao fundar um grupo musical do qual fazia parte, entre outros, um tímido Noel Rosa, foi de Braguinha a ideia de batizar o conjunto como Bando de Tangarás. Braguinha conhecera e se apaixonara pela lenda dos pássaros que se reuniam para cantar e dançar na floresta. Foi de Braguinha também a ideia de que cada integrante adotasse o nome de um pássaro.

Porém, só o autor da sugestão, hoje com 92 anos e um entusiasta do projeto de Karen, passou para a posteridade conhecido como João de Barro, o pássaro-construtor, autor de belezuras como Copacabana e A Saudade Mata a Gente. Musicar Festa no Céu, portanto, deve ter sido um duplo prazer.

A entrada de Braguinha no mundo das histórias infantis deu-se via Walt Disney: ele foi um dos responsáveis pela dublagem do primeiro longa-metragem dos estúdios, Branca de Neve e Os Sete Anões, de 1937, e de muitos outros desenhos Disney. A partir daí, Braguinha começou a escrever e adaptar muitas outras histórias e, em meados dos anos 40, lançou uma série que sobreviveu durante décadas em catálogo. As histórias, Karen contou cerca de 90 delas, simplesmente grudavam nos ouvidos por conta das brejeiras músicas do compositor.
Quem nunca cantou ”eu sou o lobo mau, lobo mau, lobo mau”?

Corpo a Corpo – Karen Acioly

A História Emociona Pelo Desejo do Sapo de Voar

Uma das grandes dificuldades de Karen Acioly foi “descobrir o céu de Braguinha”. Matutando com a equipe, ela chegou à conclusão de que o céu do compositor tinha um quê de paraíso. Por isso, as aves da peça lembram deusas diáfanas, circulando num cenário que evoca os musicais hollywoodianos dos anos 40.

O Globo: Por que Braguinha?

Karen Acioly: Ele é a referência mais forte das histórias que a gente escutou. Pertence ao nosso imaginário, tanto que qualquer um sabe cantarolar uma canção de Braguinha, mesmo sem saber que é dele.

Como foi transformar apenas oito minutos de história em quase uma hora de peça?

Karen: Foi só seguir as dicas que o próprio Braguinha me deu no disquinho. Ele fala da festa e eu imagino tudo. Apenas ampliei uns porquês que ele fazia. Foi assim que descobrimos o romance entre a Saracura e o Sapo. É uma história que emociona pela fragilidade do sapo e seu desejo de voar e pelo amor impossível entre um anfíbio e uma ave.

O que mais você descobriu?

Karen: Que Braguinha ama e entende tudo de pássaros. Ele fez parte do Bando dos Tangarás e a música A Lenda dos Tangarás, por sinal, é a melodia mais bonita que já ouvi em toda a minha vida.

Festa no Céu
Centro Cultural Light, Avenida Marechal Floriano, 168. Sábados e Domingos, às 16h. Entrada Franca