Crítica publicada no Jornal Domingo Rio
Por Roberto Guimarães – Rio de Janeiro – 20 a 27.04.1986
O Ouro das Estrelas
\um menino que vive de saco cheio com a repressão de sua família, um dia adormece vendo na televisão um capítulo de seu seriado favorito: O Ouro das Estrelas. Ao acordar, ele começa a misturar a ficção do programa de TV com a realidade de seu cotidiano. Dessa forma, ele “entra” na telinha e vai parar numa ilha tropical espacial onde encontra um Mago que está sendo ameaçado pela Dupla Simbiótica, que aterroriza o equilíbrio universal com suas forças negativas. Nessa aventura, o menino é acompanhado de seu único amigo, o papagaio Omaetue (eu te amo, de trás pra frente). Assim começa a peça O Ouro das Estrelas, que faz hoje sua quarta apresentação no Teatro Villa-Lobos em Copacabana. Com texto de Tonio Carvalho e direção de Vicente Maiolino, o espetáculo é a sétima produção do grupo Feliz-Meu-bem.
O grupo Feliz-Meu-Bem surgiu em 1981, quando um “bando” de pessoas que estavam a fim de fazer teatro se juntou para montar a peça de Tonio Carvalho, As Três Luas de Junho e Uma de Julho, premiada no Concurso de Dramaturgia do Instituto Nacional de Artes Cênicas no ano anterior. O espetáculo foi muito elogiado pela crítica e recebeu vários prêmios, o que levou o grupo a se entusiasmar em dar continuidade ao trabalho. Mas nem todas as pessoas do núcleo original permaneceram juntas.
A partir dessa primeira montagem o Feliz-Meu-Bem adotou uma filosofia que é seguida até hoje: a de não ser um grupo hermético, ou seja, de não ter um número fixo de componentes, onde todos possam sair ou entrar quando quiserem. Por isso, em cada trabalho há uma renovação.
– Existem algumas pessoas que são sistemáticas no trabalho, que estão sempre presentes. Mas sempre teve gente que saiu, que entrou, e gente que sai e que volta. Mas não é um sair porque vai embora, é um sair porque de repente num certo espetáculo a pessoa não se identifica com a proposta ou está querendo fazer uma outra coisa, ou está simplesmente com vontade de dar um tempo. A gente acha saudável deixar isso em aberto e tem funcionado – explica Tonio Carvalho, um dos elementos mais constantes no grupo.
O segundo espetáculo, As 7 Quedas do Meu Pobre Coração trouxe mais prêmios para o grupo. Com O Mistério do Boi Surubim, também de Tonio Carvalho, vieram mais prêmios, além de várias indicações. Em 84, veio o primeiro contato com o teatro num horário adulto. Deu Frô na Cabeça. Segundo Tonio, foi muito difícil viver o processo dessa montagem, porque a princípio o texto tinha sido escrito para ser encenado por mamulengos e se tentou fazer uma transposição para o palco, mas apareceram mil problemas e mil conflitos. O fato de ter sido a nossa primeira experiência com o “teatro adulto” trouxe novas questões, novos problemas. No final do mesmo ano, outra experiência nova. Após ter sido premiado pela RIOARTE, o texto de Tonio, O Pequeno Circo dos Pequenos foi montado pelo grupo, em forma de um Auto de Natal, nos Arcos da Lapa.
No ano passado foi a vez de A Idade do Sonho, ainda de Tonio e com direção de Vicente Maiolino ser “ultra-premiado”. Além de ser considerado um dos cinco melhores espetáculos do ano, concorre, em diversas categorias, ao Troféu Mambembe.
Nessa trajetória cheia de prêmios e elogios, o grupo Feliz-Meu-Bem fez e faz questão de brigar sempre para evitar que rotulem o teatro, que seus integrantes fazem teatro infantil somente. Para Tonio, por exemplo, “eles batalham por um teatro que, apesar de ocupar o horário infantil é um teatro para todos, seja criança, seja adulto, seja velho”.
– Queremos que as pessoas venham e se emocionem, que curtam a história. De acordo com a faixa etária que elas tenham, é claro, cada um vai ter uma compreensão diferente daquilo que está sendo mostrado, daquilo que está sendo proposto. A gente procura mesmo é fazer um teatro que seja para o homem em geral. Um teatro onde a gente resgate a poesia, a emoção e a aventura de fazer teatro.
Com O Ouro das Estrelas mais uma vez essa proposta vem sendo colocada em prática. O diretor Vicente Maiolino usou no espetáculo técnicas orientais de ocupação do espaço cênico, valorizando o trabalho dos atores que foram orientados para não diminuírem a carga de emoção. Como num “espetáculo adulto”. Assuntos como morte e sensualidade são mostrados com naturalidade, de maneira que atinja a todos.