Crítica Publicada no Jornal do Brasil
Por Macksen Luiz – Rio de Janeiro – 10.04.1985

Barra

Martins Penna para estudantes

A versão de O Noviço pelo TAPA está sintonizada com a proposta do Projeto Escola que o grupo desenvolve há três anos. Não que isto queira dizer que tenha havido uma vulgarização do texto de Martins Penna (1815-1848) ou uma direção menos empenhada. O estilo do TAPA não admitiria tal preguiça, afinal o projeto é parte integrante da ação cultural desses profissionais que procuram desenvolver um estilo muito pessoal de trabalho. Mas a montagem de Eduardo Tolentino para O Noviço leva (e muito) em consideração o público para o qual foi criada: o estudante.

A peça de Martins Penna, apesar das suas observações satíricas sobre as instituições sociais da primeira metade do século XIX, especialmente a família e a Igreja, está carregada de ingenuidade que serve ao propósito do Projeto Escola de mapear a dramaturgia brasileira para plateias que desconhecem completamente o teatro. Tolentino investiu neste aspecto “primário” do texto para estabelecer relações diretas e identificações imediatas. Não se procure um depuramento de estilo. Evitam-se as intermediações que uma proposta crítica ou histórica, por exemplo, podiam sugerir. A opção é por incorporar diversas chaves cômicas com interpretações que dispensam sutilezas e buscam efeitos de cena reconhecidamente eficientes. Mesmo desconhecendo as manhas do teatro, a plateia reconhece no jogo de cena o humor das comédias cinematográficas ou dos esquetes de televisão. É partindo desta identificação que Tolentino esboça uma direção coreográfica, de passos marcados, e com exposição total dos atores. Tolentino carrega nas entonações, arranha a chanchada, solicita sem pudor a cumplicidade dos que estão sentados na plateia. Mas não se deixa iludir pela facilidade dos efeitos. Por trás desta aparência um tanto feérica exista a prevalência do texto. Afinal, foi para apresenta-lo ao público estudantil que surgiu o Projeto Escola.

A plateia mais sofisticada, que conhece O Noviço em incontáveis montagens, certamente não será estimulada pela comicidade sem subterfúgios de Penna. Já o estudante, especialmente o adolescente, encontrará na trama simples da pequena humanidade que Martins Penna criou com acurado sentido de observação: um passatempo enriquecedor. Rir das brincadeiras que os atores desenvolvem em cena é encontrar o aspecto lúdico do teatro, que pode servir de poderosa atração a espectadores até agora apenas eventuais. A função didática e cultural do Projeto Escola explica a forma dentro da qual o TAPA acondicionou O Noviço e a julgar pelas informações do grupo, perfeitamente adequada a seus propósitos.

Os atores estão integrados ao espírito brincalhão e muito à vontade para levara as brincadeiras cênicas adiante, a partir, inclusive, da reação da plateia. Neste sentido, Ernani Moraes chega às últimas consequências. Cláudio Gaya compõe com mais sutileza o seu Padre Mestre e quase sempre consegue roubar as cenas com sua voz personalíssima e verve cômica. Eduardo Wotzik e Susanna Kruger respondem às exigências de seus personagens, enquanto o restante do elenco está num plano bem mais discreto.

É importante ressaltar o cuidado com o cenário e figurinos que, apesar da simplicidade, em nenhum detalhe revelam desleixo, que poderia ser justificado pelo caráter itinerante e escolar da montagem.

Serviço:
O Noviço – Texto de Martins Penna, Direção Eduardo Tolentino. Direção Musical de José Lourenço. Figurinos de Lola Tolentino. Cenários de Ricardo Ferreira e Olinto Mendes. Iluminação de Wagner Pinto. Com Ernani Moraes, Teresa Frota, Eduardo Wotzik, Priscila Rozenbaum, Claudio Gaya, Susanna Kruger e Brian Penido. Teatro Ipanema. Tempo da duração: 1h 10 min.