Critica publicada na Última Hora
Por Walmir Ayala – Rio de Janeiro – 11.04.1985

Barra

O noviço: sangue novo em cena

Começamos pelo fim. Encerrado o espetáculo o ator do papel título de O Noviço vem à boca de cena e convida para um debate. O teatro estava cheio de alunos e professores de teatro, mas não se ouviu uma pergunta sequer que motivasse o diálogo. Silêncio sepulcral. Timidez ou despreparo mesmo, a comunidade jovem ali reunida não possibilitou a desejada troca de ideias. O jovem ator citado tentou ainda um outro caminho: explicou ele mesmo, sem ser perguntado, as intenções do grupo TAPA. Nada, nenhuma reação. Então todos resolveram ir para fora tomar um chopinho. Pode ser que no balcão ou na mesa do bar, o desejado debate tenha se desenvolvido. O melhor debate, afinal, é o que se trava consigo mesmo, ou com o conhecido ou amigo eventual na conversa-puxa-conversa do acaso que aproxima os interesses.

Mas o espetáculo tinha sido ótimo, apesar de não distribuir um mimeografado sequer com a ficha técnica, o que impossibilita uma análise individualizada das interpretações. Consegue o grupo, como em nenhuma outra montagem do gênero no momento, a verve deliciosa e cômica de uma comédia dessa natureza. A intenção inicial de formar público, e de atingir as escolas, não podia contar com melhores ingredientes: enredo, malícia, ação, intriga e amenas culpas remediadas por amenas punições. A história do bígamo oportunista, desmascarada pelo noviço esperto, tem em Martins Pena o ritmo coeso de um texto integral. E muito bem aproveitado pelo grupo de jovens do TAPA, que soube desnovelar a ação com naturalidade e garra. A direção do espetáculo é de Eduardo Tolentino, sem dúvida uma visão criativa sobre textos e autores pouco trabalhados. A coerência da escolha dos textos para este Festival do Teatro Brasileiro confirma a intenção de dar uma visão de um teatro de época e, pelo conjunto final, deve propiciar uma bela conferência cênica sobre um período fartamente documentado em nossa dramaturgia. Desta forma escapa do eventual digestivo, para uma postura mais reflexiva. Ao Noviço de Martins Pena, sucederão neste projeto as peças Caiu o Ministério de França Júnior; A casa de Orates de Artur e Aluísio de Azevedo e finalmente uma adaptação de um conto de Machado de Assis.

Pelas declarações de princípios do grupo, em depoimento de Eduardo Tolentino, nota-se uma postura que, apesar de jovem, não assumiu a efervescência desgastante do ritual da profissão. O núcleo de trabalho está reunido há muitos anos, com as naturais flutuações de idas e vindas de elementos mais instáveis. Mas o núcleo, o cerne da madeira, está preservado, e só isto justifica a validade de um espetáculo como este de Martins Pena. O nível de instrução dos componentes, geralmente universitários, é outro ponto a se considerar. Sobre o narcisismo natural das vocações cênicas, vai prevalecer a disciplina, o espírito de pesquisa, uma projeção intelectual sobre as carpintarias e inflexões. Sente-se, aliás, na leitura do espetáculo, a intervenção permanente de uma valorização minuciosa das chances que o texto oferece, do duplo sentido, da superposição de recados, o que tem que ser de uma certa forma fiscalizado para não desperdiçar a margem de candura dos temas propostos neste festival. Concluindo, o que se nota nesta esteira de espetáculos alternativos, como Laços e O Noviço, a presença de um sangue novo, a lucidez de recados oportunos, sobre textos novos ou antigos, realizando a necessária filtragem de valores capaz de gratificar, valorizando, a plateia disponível. Há quarenta anos que eu assisto a esta luta do teatro para conquistar seu público, e me parece que, no dia em que este público estiver plenamente conquistado, o teatro perde seu sentido.