Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 31.08.2003
O Mundo é Grande: Espetáculo que se despede hoje do Ziembinski aborda o tema das diferenças sociais do Rio de Janeiro
A difícil relação entre dois mundos
Está cada vez mais frequente a abordagem do tema “diferenças sociais” no teatro para crianças. E para quem vive numa cidade como o Rio, onde elas são gritantes, fica mesmo difícil não tocar no assunto. A peça O Mundo é Grande, escrita e dirigida por João Batista e encenada pela Cia. Dramática de Comédia, em cartaz até hoje no Teatro Ziembinski, retrata a tentativa de aproximação de um menino mimado e superprotegido pela mãe com um garoto que vive na rua.
A trama de O Mundo é Grande se desenrola a partir do encontro dos dois personagens numa praça. Cristiano, um menino de classe média alta, chega cheio de brinquedos, enquanto Suco, o menino de rua, não tem nenhum. Como não podia deixar de ser, o pobre fica com um olho comprido para as coisas do outro, assustando. (A cena em que os dois fazem o reconhecimento um do outro, muito bem pontuada pela luz e pela música, é uma das melhores do espetáculo.)
Depois do estranhamento inicial, os dois acabam se entendendo e até brincando juntos. Tudo vai bem até a chegada da irmã caçula de Cristiano, que, apavorada com a presença do pivete, chama a mãe para acabar com a conversa.
A ideia da peça é boa, mas seu desenvolvimento enfrenta obstáculos no texto e na encenação. Se o diálogo entre o menino de rua e os irmãos é verossímil, a cena entre a mãe deles e o pivete parece desconectada da realidade. Fica difícil de acreditar que uma mulher de classe média alta se dispusesse a perder tanto tempo tentando dialogar com um pivete. Seria mais provável que, ao vê-los juntos, ela ficasse apavorada e tentasse achar um guarda.
Há também uma falta de sintonia entre a interpretação de Eduardo Rieche (o menino
rico) e Nando Cunha (o pobre). O primeiro, mesmo que seja mimado e superprotegido, parece infantilizado demais para manter qualquer tipo de relação com um pivete que parece beirar a adolescência. Como a composição de Nando é perfeita – o ator ganhou esta semana o Prêmio Maria Clara Machado de teatro infantil – talvez Eduardo pudesse emprestar um pouco de maturidade ao seu personagem.
E se Giselda Mauler está muito divertida como Daniele, a irmã caçula, Sonia Praça não consegue encontrar o tom exato da mãe – talvez pelas próprias contradições inerentes à sua personagem.
Acertos na luz, no cenário e na trilha
O cenário de Doris Rollemberg, que realça o mundo de fantasia em que vivem os personagens da família endinheirada, funciona bem na peça. Já o figurino de Mauro Leite talvez seja um pouco colorido demais, ressaltando a infanlização do menino.
Renato Machado cria uma iluminação que, de tão boa, torna-se fundamental no espetá. E Paula Leal também acerta na composição da trilha sonora (pena que as músicas não sejam cantadas ao vivo…).
O Mundo é Grande é um trabalho caprichado da Cia. Dramática de Comédia, que embora apresente alguns problemas, agrada ao público.