Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 06.09.1980

Barra

Um sequestro que não deu certo

Domingo passado, os espectadores chegaram ao teatro da casa do Estudante Universitário e, não encontraram bilheteiro e nem qualquer pessoa da produção, subiram para a sala de espera. Na sala de espera, evidentemente, espera-se. Mas esperar demais já começa a ser um desrespeito para com o público (ainda mais com o público infantil) Abre-se a porta de entrada para a plateia. Surge um rapaz com ingressos na mão e que vai vendendo a cada um, aleatoriamente. Mas ele, coitado, não tem troco. E à hora vai passando. O improvisado vendedor de ingressos desiste: manda todo mundo entrar e diz o seguinte: “Guarde o dinheiro. Durante o espetáculo eu o procuro.” (!!!!) O rapaz partia do principio de que nós não estávamos absolutamente interessados no espetáculo e que poderíamos ser interrompidos no meio de uma cena para comprarmos ingressos. O rapaz achava, também, que o zum-zum na plateia não perturbaria os atores. Mas não é que a peça demorou tanto a começar que deu tempo para o improvisado bilheteiro arranjar troco para todos? Aí, começam a testar um gravador. Levam o gravador da direita para a esquerda e vice-versa. Aí, entra um disco. Aí, o palco fica vazio e iluminado. Aí, você pensa que vai começar, já que um ator entra em cena. Ilusão. O ator surge das coxias, atravessa o palco e sai pela plateia. Mais um tempo de espera. Aí, então, começa O Misterioso Sequestro do Príncipe Não Sei. E foi só aí, vendo o espetáculo, que eu comecei a perceber porque o rapaz queria fazer troco durante a peça; é que ele, conhecendo o espetáculo, já sabia que era tudo tão ruim que ninguém reclamaria se fosse incomodado, tal o grau de desinteresse. Não sei como conseguiram juntar tantas deficiências num só espetáculo. O que começou como deficiência de produção (não ter bilheteiro/ não ter troco/ o atraso) teve sequência com deficiência de texto, direção, interpretação, cenários, iluminação e figurinos. No texto de Jurema Penna todos os personagens são absolutamente idiotizados já que todo o seu comportamento é ilógico. E porque o guarda deixa os meninos saírem da prisão (disfarçados de embaixadores da África – sem qualquer necessidade!) e não liberta logo o Príncipe? Que trama mais louca foi essa inventada de tal maneira que nenhum comportamento consegue ser justificado por uma lógica mediana? Ao diretor (é tudo um trabalho coletivo do grupo Rodete) faltou, pelo menos, criatividade e um mínimo de informações técnicas. O espetáculo é primário, os cenários e figurinos são feios e sem qualquer harmonia, a iluminação é absolutamente desvairada e sem sentido (há uma luz amarela no proscênio que, quando acende, agride os olhos do espectador, que não consegue ficar olhando para aquela parte do palco), os atores não têm recursos técnicos, enfim, é um desastre. É preciso um mínimo de autocrítica. As crianças não podem ser tratadas na base de “qualquer coisa serve”. Um espetáculo todo errado como esse é um desrespeito à inteligência e à sensibilidade infantis.