Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 10.09.2005
O Mistério do Fantasma Apavorado
Direção indecisa põe a perder adaptação de “O Fantasma de Carneville”
O Mistério do Fantasma Apavorado é um texto de Walcyr Carrasco inspirado em O fantasma de Canterville, clássico de Oscar Wilde (1854-1900). As adaptações de obras literárias para crianças são importantes desde que se mantenha a essência da história. Diversos textos de Oscar Wilde são difíceis de serem transpostos para o palco, já que contêm um sem-número de belíssimas e intermináveis descrições, com muita poesia e pouca dramaticidade. E, como diz o autor francês Jean- Jacques Roubine, quando se faz mais poesia que drama, o teatro dificilmente perdoa.
Em O fantasma de Canterville, Oscar Wilde, ao mesmo tempo que critica a sociedade americana com seu humor ácido, ataca as tradições da nobreza europeia. A história começa quando um ministro americano compra o castelo de Canterville, incluindo na compra o seu velho fantasma. Wilde denuncia a hipocrisia social opondo os rígidos costumes da era vitoriana à excessiva praticidade da família americana, que se muda para o castelo e não dá a menor atenção a seu fantasma, que tenta assustá-la sem sucesso. No final, Wilde aborda as temáticas da dor, da morte e da redenção, quando a caçula da família redime os pecados do fantasma. No entanto, no espetáculo em cartaz no Shopping da Gávea, esta questão é reduzida e chega até a soar um tanto piegas.
Na verdade, a trama não importa tanto e sim o choque entre as culturas, sentido por Wilde quando este trouxe para a América um movimento estético fundado por ele que visava dar um tom de vanguarda à cultura vitoriana. Embora esta seja uma questão fora do universo da criança, é um dos pilares do texto que a adaptação não leva para o palco. Dessa forma, a peça perde seus significados maiores, sobrevivendo por meio de um tênue fio condutor.
Mas, o fato é que, mesmo que ali estivessem colocadas as questões estéticas e éticas, morais e culturais discutidas pelo autor, nada disto interessa muito ao imaginário infantil. Para superar tal impasse, o recurso utilizado foi transformar o espetáculo em uma rasgada comédia musical, com um humor exagerado que tenta substituir a fina ironia de Wilde.
A cenografia, de Janaina de Souza e Clara Haddad, não surte efeito e o cenário não consegue reproduzir o suntuoso clima de um castelo mal-assombrado. A luz de Carmine D’ Amore também não consegue criar o necessário clima de terror, não contribuindo nem para enriquecer o cenário nem para lhe dar um significado mais consistente.
Os figurinos de Marco Lima são corretos nos trajes de época, porém pouco criativos nas vestimentas contemporâneas. Maurício Machado, que faz o fantasma, talvez seja o responsável pelo tom que retira do texto todas as suas possibilidades de aliar humor e terror. Os únicos momentos em que o elenco consegue alguns risos da plateia acontecem nas intervenções de um boneco, confecção e manipulação de Cláudio Saltini. Mas sem a sensação de medo.
Bia Seidl, que faz a dama do quadro e a governanta, é a que tem o melhor desempenho, num elenco onde Alexandre Barilari tenta fazer um americano trapalhão, Carolyna Aguiar interpreta uma americana com uma composição totalmente estranha ao tom do restante do elenco e os meninos Thiago Oliveira e Renan Robeiro sofrem do problema comum aos atores-mirins, que funcionam na televisão, mas se perdem no palco.
A exagerada composição do fantasma, a alienada americana supermoderna, o indefinido escritor americano e as crianças, sem uma proposta que os conduza, faz do espetáculo, em sua pretensão de ser uma superprodução musical, uma peça desinteressante. Dirigida por Eduardo Figueiredo, não desperta nem medo, nem riso. Resultado: o que se vê na plateia são adultos alheios e crianças agitadas, desatentas.