Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 03.10.2004
Uma coleção de equívocos
O Mistério da Rua das Andorinhas é marcado por estereótipos
O Mistério das Ruas das Andorinhas é o espetáculo infantil que está inexplicavelmente ocupando o Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim. Em qualquer profissão, só produções de qualidade comprovada atingem os espaços considerados nobres. No entanto, temos visto nesses locais produções teatrais praticamente amadoras, sem as condições mínimas de ali estarem, o que ocasiona uma inversão de valores.
O Mistério da Rua das Andorinhas conta a história de um grupo de crianças que começa a envelhecer por não mais brincar. O leit motiv pode até ser interessante, mas o desenvolvimento é mal conduzido e acaba se tornando doutrinário, com uma pretensa moral da história como desfecho.
Existem muitos teatros dentro do teatro, muitos públicos para espetáculos variados, mas não podemos nos afastar dos preceitos básicos do bom espetáculo. O elenco de O Mistério da Rua das Andorinhas não utiliza com adequação o espaço, ficando quase todo o tempo em linha reta, frontal ao seu público, sem nenhum desenho cênico. Este deveria surgir sempre a partir de uma motivação, pois é uma importante linguagem da “tessitura teatral”, que imprime verdade à cena.
O cenário, de Márcia Marques, é uma simples tapadeira feita dos já conhecidos traineis sobre rodízios, absolutamente sem função, que deixam os atores espremidos no proscênio. Ao final do espetáculo, quando aparentemente as crianças teriam reaprendido a brincar, é mostrado o outro lado da “empanada”, adereçada sem nenhuma criatividade e/ou impacto que instaure um novo clima em cena.
Os figurinos, de Rodrigo Cohen, também não partem de nenhum conceito. São confusos, não se complementam, não têm unidade e mais uma vez se desperdiça esta outra importante linguagem que “revela” ideias e personagens. Parece que se dissociou o conceito de espetáculo da trama de linguagens, as quais devem seguir um conceito agregador, e convergir para um objetivo único.
O texto, além de ser banal, é mal construído e tem a defendê-lo um elenco, sem preparo técnico, que tenta divertir o público com todos os recursos considerados deploráveis para o teatro infantil – o tatibitati, as caretas, os falsetes, os gritos, o escatológico. Os atores gritam de maneira desconfortável – o que fazia um atento espectador-mirim gritar às vezes: “seus malucos” quando a entropia era alta e protestava, com oportunos apartes, quando não conseguia entender a história.
Todos os recursos que podem ser considerados ultrapassados de encenação ali estão. O slow motion, o congelamento, o excesso de falas de personagens gravadas em off.
A trilha, que tem a direção de Leandro Muniz, segue este mesmo caminho, tenta pontuar momentos de suspense com efeitos sonoros não-eficientes. Reforça musicalmente gestos e expressões faciais, tornando-se redundante, além de ser musicalmente pobre. A preparação vocal, de Pablo Ramoz, não leva o elenco a se desincumbir a contento desta sua tarefa.
O diretor Mauro Marques optou por uma encenação que não acompanha a evolução do teatro infantil, pois minimiza o papel, a função e o lugar da criança no mundo – conquistas inalienáveis. Os atores não representam um grupo de crianças, mas sim um grupo de estereótipos do que se considerava criança há muitas décadas atrás. Além disso, contraditoriamente ao tema da peça, faltam algumas matérias-primas do teatro: brincadeira, jogo, emoção, verdade, técnica, dramaturgia, estudo e pesquisa.