Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 17.06.2016
Fantasia e fuga de um menino com saudades do pai
Cia. paulistana Dom Caixote emociona e diverte com os voos de imaginação de O Menino Que Perdeu a Lua
Um menino, fissurado pela Lua, fica dias e dias confinado em seu quarto, depois que seu pai morre. Ele sente muito a falta do pai e não se conforma com sua morte. Dentro do quarto, brinca o tempo todo de ser astronauta: inventa vozes, simula voos, faz planos de conquistar todo o universo, fala com amigos imaginários, como um anjo da guarda ou a própria Lua, retratada como uma linda moça pendurada em sua lira. Assim é O Menino Que Perdeu a Lua, grata surpresa do atual circuito de teatro para crianças e jovens em São Paulo, em cartaz em Perdizes, na sede da companhia Dom Caixote, que existe desde 2007.
O texto, a dramaturgia, a direção, a cenografia e a iluminação são de Luiz Felipe Petuxo, jovem fundador da companhia. Eis um nome promissor. A julgar por esse espetáculo, em cartaz só por mais dois fins de semana, ele é craque no que faz – a começar pelo incrível texto, nada realista, riquíssimo em sugestões e metáforas, pleno de prosa poética. Há trechos de pura carga emocional, assim como momentos divertidos, que fisgam o interesse da plateia mirim para o menino protagonista, muito bem interpretado por Vitor Faria. Ator e diretor espertamente apoiam-se no jogo de identificação das crianças com essa situação muito comum na infância de todos nós: fingir ser outro, fantasiar-se, criar um mundo paralelo na solidão do nosso quarto, dar asas ilimitadas à imaginação. Quem nunca?
Na pequena sala de apresentação do espetáculo, que simula o espaço exíguo do quarto do menino, a cenografia é fundamental para o mergulho da plateia no mundo fantasioso do personagem. Fiquei encantado, por exemplo, com a forma como o diretor e cenógrafo Petuxo escolheu para retratar o menino escondido debaixo da cama. Ele levanta a cama do chão e se posta de pé no fundo dela, forçando o público a imaginar a situação, sem reproduzi-la de forma realista no palco, além de sugerir uma espacialidade própria dos foguetes de astronautas. Tudo ali é imaginação. É como se a peça toda se passasse dentro da cabeça do menino, com seus medos, suas inseguranças, suas maluquices de garoto, suas fugas e suas fantasias.
Com ótimos coadjuvantes, vestidos criativamente pelo figurinista Guilherme Fraga e interpretados por Daniel San Martin, Paulinho Rocco, Guilherme Nasraui e Sabrina Caldini, o espetáculo ainda consegue ser atraente para os adultos, com sua pegada poético-filosófica e seu tom saudosista, já que toda a trama gira em torno de um pungente sentimento: saudades. Cito uma das frases da peça, na verdade uma pergunta, que muito me impressionou, por tudo o que ela contém de estímulo a novos voos, a novas descobertas: “Quando foi a última vez que você fez alguma coisa pela primeira vez?”
E, para encerrar, reproduzo aqui o lindo trecho inicial do espetáculo, em que o menino fala com a Lua: “Eu fico feliz em saber que vivo no mesmo mundo que você. Às vezes eu olho para o céu e sinto uma felicidade imensa só de saber que o meu céu é o mesmo que o seu. Parece que eu consigo carregar o mundo. Passo a vida descobrindo amores. A cada novo que descubro um outro se cobre. Cobre e vira ouro. Ouro e cobre viram flor. E a dor? Não! Por favor, não vá. Fica. Não leva embora o que nunca foi meu. Eu perco em mim. Eu cavo. Escavo. ‘Cavoco’. Milhares de grãos em um só. O que tem em você que eu nunca toquei e me faz querer ir tão longe? Eu gosto da falta de ar. Eu quero ver brilhar a escuridão. Quanto mais perto eu chego, mais longe eu sinto estar. E há quem ouse dizer que já pisou em você. Eu prometo aterrissar de cabeça. Astronauta: é esse o meu sonho. Não! Por favor, não vá. Fica só mais um pouco. Só mais essa noite.” Aplaudo de pé a Cia. Dom Caixote. Vida longa!
Serviço
Teatro Cia Dom Caixote
Avenida Pompeia, 1.055 – Perdizes – São Paulo
Sábados e domingos, às 16h
Ingressos: R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia)
Até o dia 26/06