Crítica Publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 19.08.2016
Sabedoria oriental inspira lindo espetáculo para crianças
O Menino e a Cerejeira fala de esperança e perseverança, apoiando-se em ritmo e estética milenares do Japão
Stella Tobar tem construído uma carreira promissora no teatro para crianças. Recentemente, vi de sua direção uma boa adaptação de Dois Idiotas Cada Qual Sentado em Seu Barril, a partir do livro conhecido de Ruth Rocha. Fez carreira curta, deveria voltar. Agora, ela vem com outra adaptação de livro, O Menino e a Cerejeira, em um espetáculo digno de todo o nosso respeito e admiração. Sua primeira temporada, com ingressos gratuitos, no Teatro João Caetano, na Vila Mariana, teve lotação esgotada em todas as oito sessões, perfazendo um total de 3.500 espectadores – e muita gente ia embora sem conseguir entrar, segundo me informaram.
O livro em que se baseia, de mesmo nome, é de autoria do pacifista japonês Daisaku Ikeda, de 88 anos. Ele perdeu familiares e amigos em guerras mundiais e virou um importante porta-voz do combate ao uso de armas nucleares. Sua obra fala de valores fundamentais para o estabelecimento da paz universal. São livros traduzidos no mundo todo e admirados por seu teor humanista.
Aqui, em O Menino e a Cerejeira, ele fala de amizade, de esperança, de comprometimento, de perseverança. Um velho (Paulo de Pontes) ensina um menino (Cleber Tolini) a cuidar de uma velha cerejeira, castigada pelo frio e pelos horrores da guerra. Juntos, eles têm certeza de que ela vai florir de novo na primavera. É um bonito exercício e dedicação, enquanto se estreitam os laços entre velho e menino.
A diretora parece ter optado pelo ritmo lento e compassado das narrativas orientais. De tal forma que esse enredo acima, sobre a cerejeira castigada, demora a surgir no palco, custando a emplacar. Há todo um tempo introdutório inicial e até ritualístico (pela ajuda percussiva de tambores japoneses), que, pelo que ouvi de opiniões à saída do espetáculo, em cartaz em São Paulo, no Teatro Viradalata, agrada a uns, justamente pela lição de calmaria e pelo exercício de desprendimento, mas desagrada a outros pelo ritmo exageradamente ralentado. Eu fico na segunda turma. Entendo que o tema é justamente a paciência e a passagem do tempo, mas acho que a peça demora demais a ‘acontecer’, justamente por essa introdução extensa.
Por falar em passagem do tempo, a meu ver, a cena mais linda do espetáculo é aquela em que os biombos de madeira e papel arroz (bem próprios da estética oriental) são movidos de forma circular pelo elenco, em torno da árvore quase morta, simbolizando a troca de estações. Chega a ser tocante. “Depois do inverno, sempre vem a primavera”, ensina o velho. É lindo. Os figurinos de Paula de Paoli (também cenógrafa da peça) também são dignos de nota dez, sobretudo as blusas arrematadas por um capuz feito de palha oriental. Toda essa beleza é valorizada pelo excelente jogo de luz proposto por Giuliano Caratori e pela delicada trilha sonora original, a cargo de Sérvulo Augusto.
No elenco, Paulo de Pontes se destaca pela emoção na medida certa. No papel do velho sábio, detentor e porta-voz da lição que a peça quer passar, ele poderia cair no piegas, mas não deixa o exagero emotivo dominar sua atuação. Demonstra essa sabedoria de ator veterano e talentoso, que, além de tudo, usa uma potente voz de narrador seminal como instrumento favorável à composição de seu personagem. Sai de sua boca uma das frases mais encantadoras do belo e calmo espetáculo: “Chega um tempo em que os meninos precisam aprender a usar suas asas.”
Serviço
Local: Teatro Viradalata
Endereço: Rua Apinajés, 1387, Sumaré – São Paulo
Telefone: (11) 3868-2535.
Quando: Sábados e domingos, 15 h
Ingressos: R$ 20,00.
Temporada: Até 28 de agosto de 2016