Matéria publicada em O Globo – Rio Show
Capa e Págs. 14 a 16
Por Mànya Millen – Rio de Janeiro – 02.12.1994
(Capa)
O melhor e o pior do teatro infantil
(Páginas 14 e 15)
O Teatrinho vira coisa de gente grande
Nova geração traz qualidade ao teatro infantil e renega as montagens caça-níqueis.
Ele sempre foi chamado de teatrinho. Mas um apelido que poderia ser encarado como carinhoso também serviu para subestimar e esconder, durante muito tempo, a excelência da produção do teatro infantil. Um teatro que hoje se revela cada vez mais profissional e cuidadoso com seu pequeno espectador. E grupos como a Cia. De Teatro Medieval, que mereceu a capa do RioShow pelo seu impecável espetáculo Shakuntalá, O Anel Perdido, em cartaz no Candido Mendes, já têm público fiel. Com isso, provam que as pessoas não engolem com a mesma facilidade de outrora a indigesta mistura de Pinóquios e He-Mans no País das Maravilhas. É verdade que o trash infantil ainda existe e prejudica o bom teatro. Os bons reclamam (na página 16), mas vencem.
Para ajudar na escolha dos espetáculos que valem a pena, o RioShow selecionou alguns dos melhores profissionais da área no quadro ao lado. Nem todos estão aí, até porque muitos não estão na ativa agora. Mas os que figuram na lista são sinônimos de qualidade e servem como guia quando aparecem na ficha técnica de uma peça.
Ricardo Venancio, diretor e ator de Shakuntalá e integrante da Cia de Teatro Medieval ao lado de Márcia Frederico, Heloisa Frederico e Marcos Edon, acha que o segredo do sucesso da companhia, criada há sete anos, é a dedicação. E a concepção de um teatro integral.
Não temos essa visão de teatro infantil ou adulto. É teatro e procuramos fazer o melhor, pesquisando, procurando, diz Ricardo.
Para o diretor e também exímio figurinista é considerado o melhor por todos os colegas, é fundamental ter uma identidade. Como a do próprio grupo, especializado em descobrir e encenar antigas farsas medievais.
A produtora Eveli Ficher também descobriu o seu xodó. Com o projeto Andersen, O Contador de Histórias, envolveu o autor adaptador Rogério Blat, o diretor Gilberto Gawronski, os atores Ricardo Blat, Fabrício Bittar, Fernanda Rodrigues e Débora Secco numa jornada apaixonante pelo universo do escritor dinamarquês. O resultado foi imediato: as duas peças já encenadas O Soldadinho de Chumbo e A Roupa Nova do Imperador, foram aclamadas por crítica e público:
– Os pais entravam no teatro achando que iriam encontrar uma peça tatibitate, com aqueles personagens já conhecidos e saíam impressionados. Fazemos um trabalho sério e a nossa qualidade vai aparecendo. Hoje somos respeitados pelos patrocinadores.
E foi por acreditar no amadurecimento e nas qualidades progressivas das produções que a Coca-Cola instituiu, em 1988, o Prêmio Coca-Cola de Teatro Infantil, ampliando este ano para o Prêmio, que já se transformou numa griffe, a empresa também entra com patrocínio.
Já passamos uma imagem de credibilidade para o meio artístico. Estamos com uma listagem enorme de futuros projetos em busca de patrocínio, conta Luís Fernando Madella, da Coca-Cola, gerente de relações com a comunidade, ao qual está subordinado o prêmio.
Madella destaca o número de montagens requintadas e sem “abordagem infantilóide” que têm surgido no mercado e vê nisso um excelente cúmplice do teatro infantil.
– Essas peças atingem também o público de pais e mães e isso é fantástico. Quem viu e gostou leva de novo. Há que se pensar que um bom teatro transmite não só lazer como cultura e informação. É uma sementinha que está sendo plantada, acredita ele.
A atriz Isabela Garcia, por exemplo faz questão de regar essa sementinha. Mãe de João Pedro, de 7 anos e de Gabriela, de 3 anos, é uma consumidora voraz de espetáculos infantis.
As crianças amam, adoram teatro e eles estão se enriquecendo com isso. E agora virou um programa mais legal. Tenho visto ótimas peças. É uma pena que ainda exista um preconceito tão grande contra teatro infantil – lamenta Isabela, que viu e indica Aladim e o Gênio Maravilhoso, em cartaz no Teatro Clara Nunes.
Pai dedicado e mais do que interessado no assunto, o ator José Wilker, sempre levou as filhas ao teatro e hoje costuma fazer o programa com a mais nova, de 9 anos. Ele, que já dirigiu uma versão de Cinderela, também acredita que o setor deu um salto de qualidade.
Ainda é marginal, mas é melhor. Existe um público a ser conquistado e se isso for benfeito o retorno no futuro será incrível – avalia.
Por esses e outros depoimentos, a autora Teresa Frota não em dúvidas de que as pessoas que se preocupam em enriquecer culturalmente Seus filhos estão tendo agora uma excelente oportunidade. Acostumada a um público consciente, que acompanha seu trabalho desde o inicio. Teresa acha importante que as pessoas saibam que o cuidado que cerca uma boa peça infantil é o mesmo ou maior que de uma boa produção para adultos:
– Em nosso teatro não há desmerecimento. Temos respeito pelo público de qualquer idade. Aliás, costumo reproduzir as palavras de um grupo de teatro alemão: não faço teatro para crianças, faço para pessoas acima de 3 anos
Frases
Procuramos fazer o melhor pesquisando.
Ricardo Venâncio
Respeitamos o público de qualquer idade
Teresa Frota
O bom teatro é uma semente a ser plantada
Luís Fernando Madella
Ir ao teatro infantil virou bom programa
Isabela Garcia
Destaques
Figurinista:
Ney Madeira – Ele vestiu oito espetáculos infantis encenados durante esse ano, como O Pássaro do Limo Verde (no Paço Imperial) e A Criada Patroa (no Teatro Delfin). Nesse último, criou uma incrível farda coberta de pratos, canecas e talheres de cozinha.
Mauro Leite – Mais novo nesta área, criou os impecáveis e coloridíssimos figurinos de A Incrível História do Homem que Bebia Xixi (no Espaço III do Villa-Lobos)
Cenógrafo:
Doris Rollemberg – Na peça A Incrível História do Homem que Bebia Xixi, em cartaz no Espaço III do Teatro Villa-Lobos, Doris apresenta uma cenografia simples e colorida de grande impacto visual. Fez também ótimos cenários para A Bela e a Pele de Asno de Luca Rodrigues.
Lídia Kosovsky – Costuma formar uma afinada e constante dupla com o figurinista Ney Madeira em grandes produções.
Atriz
Drica Moraes (Foto) – A atriz dá um show em Pianíssimo, que sai de cartaz neste domingo. No teatro infantil desde a adolescência, Drica estudou no Tablado e fez parte da história montagem de Os 12 Trabalhos de Hércules, em 1983, que lançou atores como Malu Mader, Felipe Camargo e outros. Drica declara sua paixão pelo teatro para miúdos: Meu passado nele é glorioso. “São as melhores coisas que fiz na vida”.
Bia Bedran – Uma espécie de Midas da área, a educadora Bia também compõe e dirige bons espetáculos.
Neusa Caribé – Com longa tradição em teatro infantil, Neusa fez em 1992, a premiada A Guerrinha de Tróia e, no ano passado, apresentou o musical El Toreador.
Carmem Frenzel – Pequenina e espevitada, a atriz brilhou em espetáculos como A Incrível Viagem de Marco Polo, Dudu Sandroni.
Autor
Teresa Frota (Foto) – Há autores originais e adaptadores. Teresa já provou em suas três peças (a mais nova é a engraçadíssima Vivarez, o Cortês, em cartaz no Gláucio Gill) que é uma das melhores na categoria autor original: Acredito que a gente tem que buscar sempre coisas novas, diz ela.
Denise Crispun – Autora que costuma trabalhar textos originais com pitadas de histórias clássicas. Fez Sapatinhos Vermelhos e, este ano, montou A Babá, que misturava Mary Poppins com A Noviça Rebelde.
Roger Mello – Também autor original, já premiado por Uma História de Boto Vermelho, em 1992. Apresenta no Nelson Rodrigues O País dos Mastodontes.
Rogério Blat – Adaptou os textos para o projeto Andresden, O Contador de Histórias e foi premiado pelo Soldadinho de Chumbo.
Luca Rodrigues – Fez a delicada e recente trilogia das “Belas”, misturando com maestria e profundidade vários contos de fada.
Ator
Rogério Freitas (Foto) – Engraçado e expressivo, Rogério já esteve nos palcos este ano com As Aventuras de Pedro Malazartes (ao lado do também excelente Isaac Bernat) e agora brilha em O Pássaro do Limo Verde, no Paço Imperial. O ator já contabiliza sete espetáculos infantis em sua carreira relativamente recente, iniciada em 1989. “O barato desse teatro é a reação espontânea das crianças. Eu adoro.”
Guilherme Piva – É um dos mais talentosos da nova geração. Pode ser visto em O Cavalo que Falava Inglês, de Pedro Cardoso, no Teatro do Leblon.
Marcelo Caridad – Premiado duplamente como melhor ator (pela Coca-Cola e pelo Mambembe) no ano passado, por seu trabalho na peça A Volta de Chico Mau, está agora em Vivarez, o cortês.
Ricardo Blat – Mostra um trabalho impecável nas peças do projeto Andresden, o contador de Histórias. Para conferir: A Roupa Nova do Imperador fará espetáculo no próximo domingo (dia 11) no Via Parque.
Ricardo Shöpke – Fez o premiado Uma História de Boto Vermelho, há dois anos, e está de volta em O País dos Mastodontes.
Produtor
Eveli Ficher – Responsável pelo excelente projeto Anderssen, O Contador de Historias, que já levou aos palcos até agora duas histórias do escritor dinamarquês. A terceira peça chega no próximo ano.
Montenegro e Raman – A jovem dupla de produtores é responsável por sucessos como A Dama e o Vagabundo e A Família Ducão. Sabem promover diversão.
Diretor:
Gilberto Gawronski (Foto) – Sua formação é de ator e já foi premiado como tal no teatro infantil. Atualmente dirige as duas peças do projeto Anderssen, O Contador de História, com as quais conquistou uma legião de pais-fãs. “Eu faço teatro com empenho e responsabilidade”, diz.
Karen Acioly – Dirige Pianíssimo. Basta uma olhada na peça para chegar a qualidade de seu trabalho.
Rogério Fabiano – Está em cartaz com Os Saltimbancos (Teatro da Barra) e Salamê Minguê (no América).
Cacá Mourthé – Cria de Maria Clara Machado. Dirige A Coruja Sofia no Tablado e Tudo por um Fio no Museu do Telefone.
Sura Berditchevsky – Anda meio afastada dos palcos, mas é responsável por joias como Peter Pan e Um Peixe Fora D’Água. Quando aparecer, pode segui-la.
Compositor
Marcelo Saback (Foto) – Também excelente autor e diretor, tem uma paixão especial pelos musicais e é um expert em compor canções contagiantes. Fez as músicas de O Rouxinol do Imperador e A Megera Domada, ambas de Miguel Falabella, e conquistou o público com sua Sereiazinha e A Dama e o Vagabundo. Este ano já esteve presente na área com A Família Ducão e é autor (do texto às musicas) do megassucesso Aladim e o Gênio Maravilhoso, com Guilherme Karam e Patrícia França, em cartaz no Teatro Clara Nunes. Adoro eventos teatros felizes, de alto astral, conta Marcelo.
Caíque Botkay – Outro antigo e requisitado nome de qualidade na área musical.
Tim Rescala – Músico de primeira grandeza, Tim é o responsável, por exemplo, pelo encanto de Pianíssimo, pura poesia em forma de canção. Há quase dois anos em cartaz, o espetáculo faz o espectador sair cantarolando as músicas pelo teatro.
Malabarismo
Irmãos Brothers – O irreverente grupo, atualmente em cartaz com um ótimo espetáculo no Teatro Ipanema, é formado por atores vindos da Intrépida Trupe. Eduardo Andrade, um dos integrantes, também está em Shakuntalá, o Anel Perdido.
Intrépida Trupe – Os primeiros a misturar na medida certa a linguagem de teatro com os malabarismos do circo. Quando estão em cartaz, há diversão garantida.
Companhia
Cia. de Teatro Medieval – Não por acaso é a capa do RioShow. É a melhor companhia dedicada ao teatro infantil. Shakuntalá, o Anel Perdido, em cartaz no Candido Mendes, é a nova pérola do grupo.
Cia Instável de Humor – A também premiada companhia mostra A Criada Patroa, no Delfin.
Cia. de Teatro NósConosco – Bons trabalhos de pesquisa com qualidade.
“Teatro infantil não é resto de literatura”
Maria Clara e seu Tablado formam plateia há 40 anos
Maria Clara Machado e o Teatro Tablado, fundado por ela, representam um capítulo especial e fundamental na história do teatro infantil. Há quatro décadas trabalham incansavelmente pela formação de público e dos próprios profissionais de teatro. Diante deste papel, Maria Clara defende com unhas e dentes sua seara:
“- É preciso que as pessoas entendam que teatro infantil não é resto de literatura – afirma ela.”
Autora de incontáveis sucessos, Maria Clara é uma das escritoras mais encenadas por todo o país. Mas tanto e justo reconhecimento fez com que Maria Clara só participe de festivais homenageada na categoria de hors concours. Ela torce o nariz e brinca:
“- Eu não gosto muito dessas coisas não. Parece que sou velha, que parei de produzir, né? Quero concorrer também” – diz ela.
E com A Coruja Sofia, que estreou há poucos meses no Tablado, Maria Clara mostra ter fôlego para enfrentar qualquer novato.
Bom teatro é o antídoto
Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, Cinderela e estranhos bichinhos da floresta já andaram frequentando os palcos. Juntos. É essa improvável reunião de personagens numa mesma produção já virou uma espécie de piada entre a própria classe artística, quando alguém quer exemplificar o pior teatro (?) feito para crianças. Pior mesmo é que esse não é o único entrave (veja quadro abaixo) numa arte importante, que hoje luta para conquistar o lugar ao sol já seguido por seu irmão mais nobre, o teatro para adultos.
A atriz Drica Moraes, entre bem-humorada e irada, diz que a conscientização dos pais é a única saída para a redução das “armadilhas”.
– Quem leva o filho para ver Branca de Neve contra a Tartaruga Ninja, não tem jeito mesmo. Os pais escolhem para os filhos o melhor colégio, a melhor comida. Por que não escolher o melhor teatro? A gente é o que come e o que vê – resume Drica.
Com a atriz concordam em gênero, número e grau todos aqueles que fazem teatro infantil. O diretor Gilberto Gawronski acha, no entanto que é importante para o público ver o bom e o ruim para fazer a sua própria seleção. E aí saber dar valor às melhores produções.
(Página 16)
As Armadilhas mais Comuns
Produções só com crianças – São frequentemente primárias, pouco profissionais. Os produtores usam crianças amadoras, que muitas vezes vestem figurino confeccionado pelas próprias mães e um cenário pobre. Há exceções como a boa Confissões Infantis, em cartaz no Barra Shopping.
Mistura de personagens de histórias diferentes (Lobo Mau, Branca de Neve e Cinderela) – Programa furado na certa. A falta de criatividade se alia a uma produção capenga que pouco tem de teatro. Só procura explorar a fama das histórias clássicas.
Autor com várias peças em cartaz ao mesmo tempo – Mesmo caso do item acima. A repetição pode significar o interesse puramente financeiro, pelo qual, quase sempre, se deixa de lado a qualidade de produção e o acabamento. Mas atenção: aí prevalece o bom senso. Consulte os nomes da página anterior. Se a produção for de qualquer um deles, é bom programa garantido.
Promoções (“Leve um desenho e tenha um desconto”) – Não use a promoção como critério de escolha. Boas e más peças fazem esse tipo de chamada, mas, principalmente, as de má qualidade.
Teatro em clubes – Por não oferecerem espaço adequado para cenários mais caprichados e camarins, é raro ver doas produções em seus palcos. Exceção: Teatro América. È onde está, por exemplo, Salame Minguê. Dirigida por Rogério Fabiano.
Já o ator e produtor Ricardo Shöpke, em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues com o pirotécnico O País dos Mastodontes, é implacável.
– Essas gatas borralheiras que frequentam os clubes desmerecem e tiram o público do bom teatro. Estas peças são mais baratas porque não tem produção e qualidade nenhuma e são sempre pertinho de casa. Além disso, quem foi uma vez pode não querer voltar, ao teatro infantil nunca mais – diz ele.
O ator, autor, diretor e produtor Luca Rodrigues acredita que a principal responsabilidade é, na verdade, de quem faz o teatro.
– A construção do espetáculo tem que dizer algo para crianças e adultos. Infelizmente, muitos só pensam no bolso ou no próprio umbigo – lamenta ele.