Sergio Luiz, Helena Varvaki (E), Paula Feitosa e Giuliana Simões.
Foto de Simone Rodrigues

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 19.12.1998

 

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Aristófanes para gregos e troianos

Na Grécia do século 6 A.C., Aristófanes, autor do texto escolhido pelo diretor Flávio Desgranges como tema para seu espetáculo O Mais Frouxo dos Deuses, em cartaz até amanhã no Centro Cultural dos Correios, escrevia comédias para denunciar a incompetência dos governantes e apontar vícios e virtudes da sociedade. Seu humor, considerado brutal e um tanto obsceno, não se perdeu com o tempo e até hoje seus textos são considerados uma inspiração para o teatro. A encenação de suas comédias, dizem os teóricos, tinha o clima de uma arena política, onde a participação do público era sempre incentivada. Mais do que isso, estava em cena o teatro catártico, onde se resolve no palco o que está difícil na vida.

O Mais Frouxo dos Deuses tem exatamente esse clima: Plutuz, o deus da riqueza, declara que só favorecerá as pessoas honestas. Zeus, vendo seu poder desafiado, cega Plutuz para que ele não possa enxergar a quem entregará seus tesouros. Inconformado com tão injusta decisão, um trabalhador de Atenas pede aos deuses do Olimpo que devolvam a visão a Plutuz, para impedir que os desonestos e corruptos continuem a receber os favores do deus cego.

O tema, totalmente adequado a esse trágico fim de século, chega ao palco montado como um interessante brinquedo de armar, onde as peças vão se encaixando no jogo teatral ao sabor da encenação. Flávio Desgranges, um brechtiniano convicto, cria para o espetáculo cenas episódicas que não se fecham para dar lugar a uma nova ação. A trama, retomada do ponto em que foi interrompida em cenas anteriores, conta sua história em quadros até o desfecho final. A estratégia, um tanto sofisticada para a plateia mais jovem, acaba agradando mais aos adultos que comparecem ao teatro. O público infantil, no entanto, acaba se ligando mais na plasticidade do espetáculo do que na história que se conta. Pode ser uma opção, e nesse caso é bom lembrar que a plateia tem que se divertir.

No elenco de deuses e mortais se destacam Giuliana Simões, como Hermes, e Helena Varvaki, como Cárion e como a Pobreza, personagem mais envolvente da trama, que inexplicavelmente trai o público saindo da história para não voltar mais. É uma pena. Mesmo assim, as duas atrizes em papéis masculinos subvertem a caricatura e contracenam com a benção de Dionísius.

O Mais Frouxo dos Deuses tem cenários muito interessantes para o espaço aberto, assinados por Sônia Marta Salceto, que adereça a arena criando múltiplos ambientes. Os figurinos de Marisa Facin, mesmo tendo que duplicar personagens, são de bastante efeito e não comprometem o ritmo da encenação nas diversas trocas que acontecem ao longo da peça. Seria interessante rever – e isso cabe ao diretor – o final abrupto, que deixa a plateia um tanto tonta com o final da história. No mais é apreciar esse pocket Aristófanes, bom apara gregos e troianos.

Cotação: 2 estrelas (Bom)