O retorno de o Mago das Cores confirma as boas qualidades da montagem

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 30.05.1980

 

Quando o Cinzento Vira Arco-íris

Talvez a experiência que mais se aproxime do tipo de reação que um espetáculo como O Mago das Cores desperta na plateia infantil, seja o misto de surpresa e deslumbramento que as crianças costumam manifestar ao abrir algum livro com gravuras em três dimensões. Só que, em O Mago das Cores a súbita transformação de uma página de livro num quase palco, acrescenta-se a magia de um cenário sempre passível de mudanças, estejam elas na cor ou na diversidade de elementos utilizados em cena. Se o que se narra é a história de um mago capaz de transformar um mundo cinzento no arco-íris, a descoberta das diferentes cores sempre se faz acompanhar de modificações paralelas no espaço cênico. E, é fundamentalmente, nesse jogo teatral com a plasticidade de um cenário sempre em transformação, a mímica, os bonecos e um texto pautado na rima, no trocadilho e nos jogos de palavras, que se situa a sedução dessa remontagem de o Mago das Cores em cartaz, apenas aos sábados, no Teatro Princesa Isabel. Remontagem com direção de Sérgio Ruest e Pato, os responsáveis pela montagem francesa, cujo principal acerto está possivelmente na fidelidade à concepção original do espetáculo.

Trata-se, nesse caso, de um espetáculo onde o excelente resultado cênico do texto de Véronique Rateu, como muito boa tradução de Olga Savary, deve-se sobretudo a maneira como a ele se colam o cenário que se desdobra como uma página de livro e cujas cores se modificam, como num passe de mágica, de acordo com as mexidas do Mago em seu pote mágico.

É basicamente a mesma situação que se repete o tempo todo: o mago que entra em casa e, irritado com a cor predominante então, fosse ela o cinzento, o azul, o vermelho ou amarelo, passa a buscar novas combinações e novas cores. Repetem-se a cena, repetem-se os movimentos circulares do mago, sua descida ao porão, e até suas palavras. Se desde o início diz: “Desçamos as escadas do meu porão sombrio e cinzento”, a mesma frase é repetida por mais três vezes, mudando-se apenas a última palavra, substituída sucessivamente por azul, amarelo e vermelho.da mesma forma que o cenário se mantém praticamente idêntico, modificam-se unicamente o colorido de alguns elementos. Poucas coisas parecem seduzir tanto uma criança como a repetição. Sempre que pede para se contar uma história conhecida, não basta manter mais ou menos a mesma trama, é preciso que a narrativa o responda exatamente a primeira vez que foi contada. Exige-se riqueza e fidelidade nos detalhes. Exige-se uma simetria perfeita entre as diferentes versões. Como nas idênticas descidas do mago ao porão. Daí, muitas vezes, a preferência infantil por assistir ao já visto, a peças e filmes mais que conhecidos. Tão forte quanto a emoção de assistir a algum espetáculo ou ouvir alguma história pela primeira vez, parece ser a busca de identidades e repetições quando se assiste a ele de novo. Ou, a descoberta ou não da presença de inevitáveis diferenças.

Mas, se é essa repetição quase mágica de uma mesma movimentação cênica que serve de eixo às descobertas do Mago, tal repetição estará acompanhada da presença sempre possível da surpresa. Que cor irá aparecer? Que elementos podem surgir em cena? E o fantasma que mora no porão e muda de cor de acordo com as cores descobertas pelo Mago? É como uma brincadeira, um jogo, onde a uma mesma situação que se repete se fossem acrescentando dados novos que a obrigam a acidez dobrar em sucessivas transformações.de tal forma que, se inicialmente o mundo aparece cinzento, acaba tornando-se azul, amarelo, vermelho e, por fim, povoado por todo o arco-íris. não se assiste, no entanto, apenas a história de um mago (bem interpretado Dirceu Rabelo) sempre em busca de novas cores e transformações, vive-se as transformações no próprio espetáculo ponto no próprio espaço cênico, que começa reduzido há um quadrado negro dentro de uma moldura, de onde saltam, entretanto, dois atores-pintores que abrem o cenário como se fosse um livro fechado, fazendo surgir paredes, relevos, desenhos, a história do mago e a descoberta das cores, no espetáculo onde se assiste sobretudo há uma bela integração entre o texto, seus jogos de palavras e um jogo com o espaço cênico que se converte na grande vedeta de O Mago das Cores.